Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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e os partidários mais zelosos do <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong>. Supondo esses primeiros<br />
obstáculos superados, não é preciso temer a indiferença da localidade pelo sucesso de<br />
um estabelecimento que não será sua obra, e que, no entanto, somente prosperará se<br />
protegido pelo zelo administrativo dos empregados da prisão? Enfim, como o poder,<br />
que está no centro, e cuja ação é uniforme, poderá imprimir no <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> as<br />
modificações que seriam necessárias segundo os costumes e necessidades locais?<br />
Parece-<strong>nos</strong> difícil esperar o sucesso do <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> na França, e contar<br />
com grandes resultados, se seu estabelecimento e sua direção são obra do governo, e se<br />
os responsáveis se limitarem a substituir a casas centrais de detenção que existem nesse<br />
momento por outras, construídas somente a partir de um plano melhor.<br />
As chances de sucesso não seriam maiores se se conferisse aos departamentos o<br />
cuidado de construir com despesas próprias e dirigir segundo certos princípios gerais<br />
escritos em uma lei comum a todas as prisões de toda espécie, sem excluir as que são<br />
destinadas aos grandes crimi<strong>nos</strong>os?<br />
As leis de 1791 repousavam <strong>sobre</strong> o principio de que a vigilância das prisões<br />
pertencia essencialmente à autoridade municipal, e sua direção à autoridade<br />
administrativa do departamento 1 . Essas mesmas leis prescreviam, para o regime das<br />
prisões, um grande número de inovações importantes, e continham mesmo o germe do<br />
<strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> adotado <strong>nos</strong> Estados Unidos 2 .<br />
Mas os princípios que elas proclamavam receberam apenas uma execução<br />
incompleta. Quando de sua ascensão ao consulado, Bonaparte decretou o<br />
estabelecimento de casas centrais de detenção, sem se preocupar em abolir, pelos<br />
poderes constitucionais, as leis contrárias a seu decreto. Essa instituição destruía toda<br />
direção e vigilância locais. Com efeito, a maior parte das prisões centrais atualmente<br />
existentes não é outra coisa senão antigos conventos, esparsos aqui e ali em toda a<br />
França, uns perto da cidade, outros no meio do campo.<br />
No entanto, Bonaparte reconheceu, em 1810, que cada departamento devia ter,<br />
além de casas de justiça e de reclusão, uma prisão destinada a prender os condenados<br />
em regime correcional.<br />
Se, portanto, fosse adotado o <strong>sistema</strong> de uma prisão geral para cada<br />
departamento, voltar-se-ia ao princípio das leis de 1791, e apenas se estenderia a todos<br />
os crimi<strong>nos</strong>os o encarceramento local que o próprio Bonaparte queria estabelecer para<br />
os condenados a penas correcionais.<br />
Essa extensão seria sem inconvenientes com respeito à disciplina da prisão,<br />
porque sempre pensamos na hipótese de uma mudança no regime <strong>penitenciário</strong>, fundado<br />
no silêncio e no isolamento dos detentos.<br />
O Estado, se despojando do direito de dirigir as prisões centrais, abandonaria<br />
uma prerrogativa que lhe é onerosa e que não traz benefícios para os departamentos. Ele<br />
conservaria um direito de impulsão, de controle e de vigilância; mas, ao invés de fazê-lo<br />
ele mesmo, apenas acompanharia as ações.<br />
Apressemo-<strong>nos</strong> em dizer que apresentamos aqui somente o esboço de um<br />
<strong>sistema</strong> que, para ser adotado, deveria estar maduro; temos a certeza de que isso que<br />
existe é não é bom, mas o remédio não <strong>nos</strong> parece tão certo quanto a existência do mal.<br />
Nossas prisões, criadas e governadas inteiramente pelo poder central, são<br />
dispendiosas e impotentes para reformar os detentos; vimos na América serem erguidas,<br />
1 Ver as leis de 22 de julho, 29 de setembro e 6 de outubro de 1791.<br />
2 O artigo 16 da lei de 6 de outubro de 1791 reza: “Todo condenado ao suplício será encarcerado sozinho<br />
em um lugar claro, sem ferros ou cordas: ele não poderá ter, durante a duração de sua pena, nenhuma<br />
comunicação com os outros condenados, ou com pessoas de fora.” Eis aí a teoria do encarceramento<br />
solitário; é o <strong>sistema</strong> de Cherry-Hill (Filadélfia).<br />
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