walter benjamin - Programa de Pós-Graduação em Filosofia - UFBA ...
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A essência espiritual do homem é a língua. A sua essência espiritual é a linguagem em que foi criado. Na palavra foi criado, e a essência lingüística de Deus é a palavra. Toda linguagem humana é apenas reflexo da palavra no nome. O nome atinge tão pouco a palavra, como o acto do conhecimento a criação. A infinitude de toda a linguagem humana sempre será a de essência limitada e analítica, em comparação com a infinitude da palavra de Deus, criadora e absolutamente ilimitada. 117 A idéia central em A tarefa do tradutor retorna em O Narrador, formando o elo entre a “filosofia da linguagem” e a possibilidade de uma história universal messiânica. A hermenêutica da tradução deve permitir chegar a uma atualidade integral do sentido transmitido e do passado esquecido. Assim, traduzir e narrar se completam numa forma de resgatar o passado do esquecimento. Nesse ponto Benjamin desenvolve um argumento para uma ética de cunho teológico vinculado à figura do justo. Sua ética da solidariedade acreditava poder elevar-se acima da abstração de um principio formal de justiça que os oprimidos deveriam respeitar. Rochlitz escreve: De um lado, em “O narrador”, Benjamin evoca, com nostalgia a figura do justo, do homem conselheiro, que desapareceu, segundo ele, ao mesmo tempo que a arte de contar. Ele não concebe uma justiça que não encarne mais as virtudes substanciais como as que caracterizam o homem exemplar da Antiguidade. Ora, a validade da moral moderna não depende de sua encarnação exemplar em um justo. Nesse sentido, Benjamin não é um moderno: ele não pode dissociar ética e narração, a justiça e o justo. 118 A crítica de Rochlitz desconsidera o ponto principal da figura do justo em O Narrador, que é seu caráter alegórico. A ética proposta por Benjamin no ensaio está estritamente liga a ética judaica que é uma ética existencial religiosa. A própria experiência da revelação bíblica não é um processo epistemológico, mas uma forma de experiência religiosa. A experiência como uma experiência da revelação. Ao recorrer a experiências das pessoas, ele as transforma em sua matéria de trabalho, assim a alma, o olho e a mão estão inscritos no mesmo campo. No momento em que interagem eles definem uma prática: 117 Op. cit. p. 187. 118 Op. cit. p. 342. 90
Podemos ir mais longe e perguntar se a relação entre narrador e sua matéria – a vida humana – não seria ela própria uma relação artesanal. Não seria sua tarefa trabalhar a matéria-prima da experiência – a sua e a dos outros – transformando-a num produto sólido, útil e único? Talvez se tenha uma noção mais clara desse processo através do provérbio, concebido como uma espécie de ideograma de uma narrativa. Podemos dizer que os provérbios são ruínas de antigas narrativas, nas quais a moral da história abraça um acontecimento, como a hera abraça um muro. 119 Kafka trabalhou a matéria humana como nenhum outro escritor, seus personagens não têm apenas o desejo de falar, mas a necessidade de intercambiar experiências. Muito do que ele escreveu tem o peso e o valor do provérbio. homens: Seu objetivo é a não-presença de Deus no mundo e a não-redenção dos O universo de Kafka é demasiado rico e multiforme para que se possa reduzi-lo a uma fórmula unilateral. Mas de modo algum está em contradição com a leitura religiosa ou teológica: muito pelo contrário, existe entre as duas uma analogia estrutural impressionante. À ausência da redenção, indicador religioso de uma época maldita, corresponde a ausência da liberdade no universo sufocante do arbítrio burocrático. É apenas de modo latente que se projetam a esperança messiânica e a esperança utópica: radicalmente outro. O anarquismo torna-se, assim, carregado de espiritualidade religiosa e adquire uma projeção “metafísica”. 120 Sua postura não é anti-religiosa, mas passa pela religião e a ultrapassa sem abandoná-la. Sua religiosidade se manifesta num sistema elaborado e oculto de figuras simbólicas onde predomina a metáfora e a alegoria. Quando Kafka tentava ouvir por trás da porta da tradição não consegue ver o que ela tinha para lhe revelar como observou Benjamin. O ensaio Sobre o conceito da história, é a etapa final da experiência alegórica da linguagem em Benjamin. Se em O Narrador e em Experiência e pobreza trabalha a idéia do abalo da experiência, em Kafka ele trata da memória e do esquecimento. Segundo ele, o esquecimento é o tema da obra de Kafka, assim com a lei secreta de sua produção: 119 Op. cit. p.221. 120 Op. cit. p. 75. 91
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A essência espiritual do hom<strong>em</strong> é a língua. A sua essência espiritual<br />
é a linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> que foi criado. Na palavra foi criado, e a essência<br />
lingüística <strong>de</strong> Deus é a palavra. Toda linguag<strong>em</strong> humana é apenas<br />
reflexo da palavra no nome. O nome atinge tão pouco a palavra,<br />
como o acto do conhecimento a criação. A infinitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda a<br />
linguag<strong>em</strong> humana s<strong>em</strong>pre será a <strong>de</strong> essência limitada e analítica,<br />
<strong>em</strong> comparação com a infinitu<strong>de</strong> da palavra <strong>de</strong> Deus, criadora e<br />
absolutamente ilimitada. 117<br />
A idéia central <strong>em</strong> A tarefa do tradutor retorna <strong>em</strong> O Narrador, formando o elo<br />
entre a “filosofia da linguag<strong>em</strong>” e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma história universal<br />
messiânica. A hermenêutica da tradução <strong>de</strong>ve permitir chegar a uma atualida<strong>de</strong><br />
integral do sentido transmitido e do passado esquecido.<br />
Assim, traduzir e narrar se completam numa forma <strong>de</strong> resgatar o passado do<br />
esquecimento. Nesse ponto Benjamin <strong>de</strong>senvolve um argumento para uma ética <strong>de</strong><br />
cunho teológico vinculado à figura do justo. Sua ética da solidarieda<strong>de</strong> acreditava<br />
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oprimidos <strong>de</strong>veriam respeitar. Rochlitz escreve:<br />
De um lado, <strong>em</strong> “O narrador”, Benjamin evoca, com nostalgia a figura<br />
do justo, do hom<strong>em</strong> conselheiro, que <strong>de</strong>sapareceu, segundo ele, ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po que a arte <strong>de</strong> contar. Ele não concebe uma justiça que<br />
não encarne mais as virtu<strong>de</strong>s substanciais como as que caracterizam<br />
o hom<strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plar da Antiguida<strong>de</strong>. Ora, a valida<strong>de</strong> da moral<br />
mo<strong>de</strong>rna não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua encarnação ex<strong>em</strong>plar <strong>em</strong> um justo.<br />
Nesse sentido, Benjamin não é um mo<strong>de</strong>rno: ele não po<strong>de</strong> dissociar<br />
ética e narração, a justiça e o justo. 118<br />
A crítica <strong>de</strong> Rochlitz <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra o ponto principal da figura do justo <strong>em</strong> O<br />
Narrador, que é seu caráter alegórico. A ética proposta por Benjamin no ensaio está<br />
estritamente liga a ética judaica que é uma ética existencial religiosa.<br />
A própria experiência da revelação bíblica não é um processo epist<strong>em</strong>ológico,<br />
mas uma forma <strong>de</strong> experiência religiosa.<br />
A experiência como uma experiência da revelação. Ao recorrer a experiências<br />
das pessoas, ele as transforma <strong>em</strong> sua matéria <strong>de</strong> trabalho, assim a alma, o olho e a<br />
mão estão inscritos no mesmo campo. No momento <strong>em</strong> que interag<strong>em</strong> eles <strong>de</strong>fin<strong>em</strong><br />
uma prática:<br />
117 Op. cit. p. 187.<br />
118 Op. cit. p. 342.<br />
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