walter benjamin - Programa de Pós-Graduação em Filosofia - UFBA ...

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09.05.2013 Views

surgira um estranho poder de se assentar aos poucos no presente e de privá-lo da “paz mental”, a paz descuidada da complacência. 112 Para Benjamin a verdade era um segredo (a experiência da revelação teológica) e a revelação desse segredo possuía autoridade. Ao transformar a verdade em sabedoria a tradição faz da sabedoria a verdade transmissível. Com a crise da tradição, e aqui podemos apontar para o abalo da tradição oral, a verdade perde seu papel de transmissibilidade e é substituída pela citabilidade das vivências fragmentadas, essa é a conclusão de Benjamin. Nela, o comentário estava associado tanto a um exercício cultural quanto espiritual, onde partindo da capacidade humana de compreender seu passado, toma a citação como guardiã daquilo que o tempo poderia esconder. Neste caso, a citação tem um papel fundamental para a tradição, pois é ela que constrói o caminho que nos leva do presente ao passado. Sua descoberta aponta para a perda da narração oral, portanto o declínio de uma tradição e o desaparecimento de uma memória comum, que garantiam a existência de uma experiência coletiva, ligada a um trabalho e um tempo partilhado, em um mundo comum de prática e de linguagem. Jean Marie Gagnebin diz: Poderíamos arriscar um paradoxo e dizer que a obra de Kafka, o maior “narrador” moderno, segundo Benjamin, representa uma “experiência” única: a da perda da experiência, da desagregação da tradição e do desaparecimento do sentido primordial. Kafka contanos com uma minúcia extrema, até mesmo com certo humor, ou seja, com uma dose de jovialidade (Heiterkeit), que não temos nenhuma mensagem definitiva para transmitir, que não existe mais uma totalidade de sentidos, mas somente trechos de histórias e de sonhos. Fragmentos esparsos que falam do fim da identidade do sujeito e da univocidade da palavra, indubitavelmente uma ameaça de destruição, mas também – e ao mesmo tempo – esperança e possibilidade de novas significações. 113 Kafka compreendeu que não existe mais uma mensagem definitiva para ser transmitida, a experiência coletiva que existia até então declina para dar lugar a vivências fragmentadas e muitas vezes distantes entre si. É o abalo da experiência Erfahrung e o surgimento da vivência Erlebnis. Em sua obra é representado pelos fragmentos que como um quebra cabeça precisam ser montado para ter sentido. No 112 Op. cit. p. 165-166. 113 Op. cit. p. 18. 86

caso de Benjamin está diretamente ligada a citação. A citação ocupa o lugar deixado pela tradição oral que ao transmitir o passado através da memória exercia autoridade. Por isso, a citação na filosofia benjaminiana tem um valor preponderante, já que nela se busca de alguma forma resgatar a autoridade perdida pela oralidade. Edvaldo Couto ao analisar o papel da citação na obra de Benjamin, observa que para ele, a arte de colar os fragmentos é a nova habilidade do escritor moderno. Este, ao viver a ruptura com a tradição e a perda da autoridade, não concede a transmissibilidade do passado outro lugar a não ser na citação. No entanto, a citabilidade em Benjamin não se dá por impulso anárquico. Decorre do gosto em colecionar, mas, sobretudo de uma avaliação política. As conexões são sempre impostas pelo poder, onde os opressores sempre ganham. É essa ordem que deve ser transformada, despedaçada. Os fragmentos com suas relações cortadas com o original buscam uma liberação, uma outra perspectiva para o mundo e o pensamento: A citabilidade está centrada nos interesses do filósofo pela filosofia da linguagem. Afinal, a citabilidade pode ser uma violência contra o discurso supostamente ordenado, mas não contra a linguagem, sempre reinventada. Nomear por meio de citações é um modo de se relacionar com o passado, sem recorrer a tradição, corroída pela pobreza de experiência do homem moderno. 114 A filosofia da linguagem mais uma vez determina o rumo do pensamento benjaminiano. Sua capacidade de se reinventar possibilita ao homem uma relação com o passado. Mesmo ele não recorrendo à tradição, já que ela encontra-se sob suspeita, por conta da pobreza de experiência do homem na modernidade. É aquela denuncia feita por Benjamin em Experiência e pobreza, contra o patrimônio cultural que perde seu valor no momento em que a experiência não mais o vincula a nós. A narração oral estava vinculada ao diálogo. O diálogo acontecia quando o hassid espera do Rabi palavras de conforto, auxilio e ensinamento, e no tzadik que lhe responde. As palavras da narração vão além do discurso, no momento que transmite as gerações vindouras o que de fato ocorreu - nesse momento, a narrativa passa a ser acontecimento, recebendo a consagração de um ato sagrado. No 114 COUTO, Edvaldo. Walter Benjamin e Hannah Arendt: as citações como método. In: Adriano Correia (Org.). Hannah Arendt e a condição humana. Salvador: Quarteto, 2006. p. 283-284. 87

caso <strong>de</strong> Benjamin está diretamente ligada a citação. A citação ocupa o lugar <strong>de</strong>ixado<br />

pela tradição oral que ao transmitir o passado através da m<strong>em</strong>ória exercia<br />

autorida<strong>de</strong>. Por isso, a citação na filosofia <strong>benjamin</strong>iana t<strong>em</strong> um valor<br />

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pela oralida<strong>de</strong>.<br />

Edvaldo Couto ao analisar o papel da citação na obra <strong>de</strong> Benjamin, observa<br />

que para ele, a arte <strong>de</strong> colar os fragmentos é a nova habilida<strong>de</strong> do escritor mo<strong>de</strong>rno.<br />

Este, ao viver a ruptura com a tradição e a perda da autorida<strong>de</strong>, não conce<strong>de</strong> a<br />

transmissibilida<strong>de</strong> do passado outro lugar a não ser na citação. No entanto, a<br />

citabilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> Benjamin não se dá por impulso anárquico. Decorre do gosto <strong>em</strong><br />

colecionar, mas, sobretudo <strong>de</strong> uma avaliação política. As conexões são s<strong>em</strong>pre<br />

impostas pelo po<strong>de</strong>r, on<strong>de</strong> os opressores s<strong>em</strong>pre ganham. É essa or<strong>de</strong>m que <strong>de</strong>ve<br />

ser transformada, <strong>de</strong>spedaçada. Os fragmentos com suas relações cortadas com o<br />

original buscam uma liberação, uma outra perspectiva para o mundo e o<br />

pensamento:<br />

A citabilida<strong>de</strong> está centrada nos interesses do filósofo pela filosofia<br />

da linguag<strong>em</strong>. Afinal, a citabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser uma violência contra o<br />

discurso supostamente or<strong>de</strong>nado, mas não contra a linguag<strong>em</strong>,<br />

s<strong>em</strong>pre reinventada. Nomear por meio <strong>de</strong> citações é um modo <strong>de</strong> se<br />

relacionar com o passado, s<strong>em</strong> recorrer a tradição, corroída pela<br />

pobreza <strong>de</strong> experiência do hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno. 114<br />

A filosofia da linguag<strong>em</strong> mais uma vez <strong>de</strong>termina o rumo do pensamento<br />

<strong>benjamin</strong>iano. Sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se reinventar possibilita ao hom<strong>em</strong> uma relação<br />

com o passado. Mesmo ele não recorrendo à tradição, já que ela encontra-se sob<br />

suspeita, por conta da pobreza <strong>de</strong> experiência do hom<strong>em</strong> na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. É aquela<br />

<strong>de</strong>nuncia feita por Benjamin <strong>em</strong> Experiência e pobreza, contra o patrimônio cultural<br />

que per<strong>de</strong> seu valor no momento <strong>em</strong> que a experiência não mais o vincula a nós.<br />

A narração oral estava vinculada ao diálogo. O diálogo acontecia quando o<br />

hassid espera do Rabi palavras <strong>de</strong> conforto, auxilio e ensinamento, e no tzadik que<br />

lhe respon<strong>de</strong>. As palavras da narração vão além do discurso, no momento que<br />

transmite as gerações vindouras o que <strong>de</strong> fato ocorreu - nesse momento, a narrativa<br />

passa a ser acontecimento, recebendo a consagração <strong>de</strong> um ato sagrado. No<br />

114 COUTO, Edvaldo. Walter Benjamin e Hannah Arendt: as citações como método. In:<br />

Adriano Correia (Org.). Hannah Arendt e a condição humana. Salvador: Quarteto, 2006. p.<br />

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