walter benjamin - Programa de Pós-Graduação em Filosofia - UFBA ...

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09.05.2013 Views

linguagem em geral, sobre a linguagem humana, onde trabalha a idéia de queda associada à perda da língua adâmica. Outra vez a idéia de perda é trabalhada dentro de um valor incontestavelmente teológico. Se por um lado existiu uma queda também existe a possibilidade de redenção. Ele precisa contrapor valores. Se por um lado existem perdas, ainda assim existe a possibilidade de restauração. Essa característica teológica presente em sua obra é onde a alegoria se movimenta com liberdade. Uma leitura cuidadosa do seu estudo sobre a narração mostra os três pontos que ele trabalhou por toda vida: o Mito, a Redenção e a Esperança. O problema da técnica sempre esteve presente em vários escritos de Benjamin. No entanto, sua abordagem alegórica presente na Tese I na figura do autômato simboliza a alienação do homem frente a um aparelho tecnológico. Preso a ideologia do progresso o homem moderno aceita tudo como parte da evolução de forças produtivas: Conhecemos a história de um autômato construído de tal modo que podia responder a cada lance de um jogador de xadrez com um contralance, que lhe assegurava a vitória. Um fantoche vestido à turca, com um narguilé na boca, sentava-se diante do tabuleiro, colocado numa grande mesa. Um sistema de espelhos criava a ilusão de que a mesa era totalmente visível, em todo os seus pormenores. Na realidade, um anão corcunda se escondia nela, um mestre no xadrez, que dirigia com cordéis a mão do fantoche. Podemos imaginar uma contrapartida filosófica desse mecanismo. O fantoche chamado “materialismo histórico” ganhará sempre. Ele pode enfrentar qualquer desafio, desde que tome a seu serviço a teologia. Hoje, ela é reconhecidamente pequena e feia e não ousa mostrar-se. 104 A Tese anuncia um dos temas centrais do ensaio que é a associação paradoxal entre materialismo e teologia. Para dar conta da combinação, Benjamin recorre, como de costume, a alegoria. Para ele, a teologia não é um objeto em si, não visa à contemplação inefável de verdades eternas, e muito menos, como poderia a etimologia levar a crer, à reflexão sobre a natureza do Ser de Deus, ela está a serviço da luta dos oprimidos. Lowy escreve: 104 Op. cit. p. 222. 80

Os românticos e os neo-românticos germânicos (fim do século XIX) criticaram a Zivilisation – o progresso material sem alma, ligado ao desenvolvimento técnico e cientifico, a racionalidade burocrática, a quantificação da vida social – em nome da Kultur, o corpo orgânico dos valores morais, culturais, religiosos e sociais. Eles denunciaram, em particular, os resultados fatais da maquinaria, da divisão do trabalho e da produção de bens, retomando nostalgicamente o modo de vida pré-capitalista e pré-industrial. Embora muito desse anticapitalismo romântico fosse conservador, restauracionista ou reacionário, existia também uma forte tendência potencialmente revolucionária. Os revolucionários românticos criticavam a ordem burguesa-industrial em nome de valores do passado, mas suas esperanças eram orientadas para uma utopia pós-capitalista, socialista e sem classes. 105 O romantismo está presente em muitos escritos de Benjamin, e para muitos comentadores, por exemplo, Lowy, ele é um filósofo romântico. Ele parte da idéia que a técnica é uma possibilidade para o desenvolvimento humano, mas não a única. Fica evidente em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, seu entusiasmo diante das técnicas de reprodução como a fotografia e o cinema. Ele observa: Muito se escreveu, no passado, de modo tão sutil como estéril, sobre a questão de saber se a fotografia era ou não uma arte, sem que se colocasse sequer a questão prévia de saber se a invenção da fotografia não havia alterado a própria natureza da arte. Hoje, os teóricos do cinema retomam a questão na mesma perspectiva superficial. Mas as dificuldades com que a fotografia confrontou a estética tradicional eram brincadeiras infantis em comparação com as suscitadas pelo cinema. 106 Benjamin reconhece nas técnicas de reprodução, a possibilidade de democratizar a informação, levando cultura a um maior número de pessoas. Seu entusiasmo era duramente criticado pelos frankfurtianos, mas isso não impedia que sua crítica continuasse contundente. Reconhecia nas novas técnicas de reprodução o exercício de novas percepções e reações do homem diante de um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana. Fica evidente que se por um lado, existia certo pessimismo em relação ao progresso, de outro sua 105 Op.cit. p. 206-207. 106 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras escolhidas I. 10. ed. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 176. 81

linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> geral, sobre a linguag<strong>em</strong> humana, on<strong>de</strong> trabalha a idéia <strong>de</strong> queda<br />

associada à perda da língua adâmica. Outra vez a idéia <strong>de</strong> perda é trabalhada<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um valor incontestavelmente teológico. Se por um lado existiu uma queda<br />

também existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção.<br />

Ele precisa contrapor valores. Se por um lado exist<strong>em</strong> perdas, ainda assim<br />

existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> restauração. Essa característica teológica presente <strong>em</strong> sua<br />

obra é on<strong>de</strong> a alegoria se movimenta com liberda<strong>de</strong>. Uma leitura cuidadosa do seu<br />

estudo sobre a narração mostra os três pontos que ele trabalhou por toda vida: o<br />

Mito, a Re<strong>de</strong>nção e a Esperança.<br />

O probl<strong>em</strong>a da técnica s<strong>em</strong>pre esteve presente <strong>em</strong> vários escritos <strong>de</strong><br />

Benjamin. No entanto, sua abordag<strong>em</strong> alegórica presente na Tese I na figura do<br />

autômato simboliza a alienação do hom<strong>em</strong> frente a um aparelho tecnológico. Preso<br />

a i<strong>de</strong>ologia do progresso o hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno aceita tudo como parte da evolução <strong>de</strong><br />

forças produtivas:<br />

Conhec<strong>em</strong>os a história <strong>de</strong> um autômato construído <strong>de</strong> tal modo que<br />

podia respon<strong>de</strong>r a cada lance <strong>de</strong> um jogador <strong>de</strong> xadrez com um<br />

contralance, que lhe assegurava a vitória. Um fantoche vestido à<br />

turca, com um narguilé na boca, sentava-se diante do tabuleiro,<br />

colocado numa gran<strong>de</strong> mesa. Um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> espelhos criava a<br />

ilusão <strong>de</strong> que a mesa era totalmente visível, <strong>em</strong> todo os seus<br />

pormenores. Na realida<strong>de</strong>, um anão corcunda se escondia nela, um<br />

mestre no xadrez, que dirigia com cordéis a mão do fantoche.<br />

Po<strong>de</strong>mos imaginar uma contrapartida filosófica <strong>de</strong>sse mecanismo. O<br />

fantoche chamado “materialismo histórico” ganhará s<strong>em</strong>pre. Ele po<strong>de</strong><br />

enfrentar qualquer <strong>de</strong>safio, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tome a seu serviço a teologia.<br />

Hoje, ela é reconhecidamente pequena e feia e não ousa mostrar-se.<br />

104<br />

A Tese anuncia um dos t<strong>em</strong>as centrais do ensaio que é a associação<br />

paradoxal entre materialismo e teologia. Para dar conta da combinação, Benjamin<br />

recorre, como <strong>de</strong> costume, a alegoria.<br />

Para ele, a teologia não é um objeto <strong>em</strong> si, não visa à cont<strong>em</strong>plação inefável<br />

<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s eternas, e muito menos, como po<strong>de</strong>ria a etimologia levar a crer, à<br />

reflexão sobre a natureza do Ser <strong>de</strong> Deus, ela está a serviço da luta dos oprimidos.<br />

Lowy escreve:<br />

104 Op. cit. p. 222.<br />

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