walter benjamin - Programa de Pós-Graduação em Filosofia - UFBA ...
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Podemos dizer que Rabi Nakhman antecipou Benjamin em 100 anos no tocante a seu trabalho sobre a narração. Para Nakhman, o ensinamento deveria ser transmitido de boca a boca, continuamente, expandindo-se para além da esfera das palavras ainda não proferidas. Através desta mística da linguagem, seria despertado o espírito em cada geração, rejuvenescendo o mundo para uma relação com Deus. Essa tradição oral por ele exercitada procurava desenvolver o dom de ouvir, e assim, fundar a comunidade dos ouvintes, algo que Benjamin fala em O Narrador: Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história. 69 O que ele quer dizer sobre fiar ou tecer enquanto ouvimos a história é a relação entre narração e trabalho manual. Mas provoco ao dizer que quem ouve faz parte da narrativa no momento que se tornar um novo narrador. A história narrada não tem fim, pois a palavra final é do ouvinte. Como sempre haverá um novo ouvinte, dessa forma, a narração é uma história sem fim. O sem fim aqui não tem nenhuma relação com eternidade, pelo contrário, é sem fim por receber sempre uma nova contribuição de cada novo narrador. Por isso, quem narra faz uso da sua experiência, e sem ela não existiria a narração oral. Para Benjamin a linguagem está sempre associada à função poética da revelação. Esta experiência encontra-se no ensinamento de boca a boca a partir da narração. Quem narra revela o que até então estava oculto. Rabi Nakhman faz uma interpretação muito particular sobre a palavra, o efeito não é sobre o locutor, mas sobre o ouvinte. Esse efeito atinge o ápice no momento em que o ouvinte se torna o locutor, e diz a palavra final. A lição que essa mística da linguagem nos traz é a importância da união entre quem fala e quem ouve. No momento que o ouvinte se torna o locutor, ele não apenas fala, mas compreende o que ouviu - essa compreensão possibilita uma experiência dialógica a partir da narração. É a partir desta experiência mística da linguagem que o homem pode encontrar-se com Deus. Parece-me que seu objetivo ao recorrer à figura do narrador é aproximá-lo do justo, no momento em que concilia o estudo da linguagem com sua análise da história, partindo da teologia judaica. A dificuldade está no fato de Benjamin em momento algum explica quem é ele, apenas nos mostra um dos seus atributos: é um 69 Op.cit. p.205. 56
homem ético. Ao trazer a figura do justo para o estudo fica a dúvida: sua intenção é aproximar o homem da teologia ou afastar definitivamente o homem do âmbito teológico ao secularizar o justo na figura do narrador? A sua intenção em O Narrador me parece que foi a de recuperar o justo do esquecimento da história. Para ele a história é o local ideal para o exercício da santidade a partir de uma experiência messiânica. Benjamin sabia que a experiência de santidade se dá entre os homens por meio de uma relação de respeito, paciência, integridade e amor. Algo que ele constatou que a muito havia deixado de existir no mundo, não somente no período entre guerras. A matéria de trabalho do narrador é a vida humana, dela se constrói as grandes narrativas. Para fazer uso de sua matéria de trabalho o narrador deve se aproximar do outro na busca do diálogo: Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. Os narradores gostam de começar sua história com uma descrição das circunstâncias em que foram informados dos fatos que vão contar a seguir, a menos que prefiram atribuir essa história a uma experiência autobiográfica. 70 O que busca o verdadeiro narrador é compreender o valor do que é digno de ser narrado. Para este autor, os vestígios estão presentes de muitas maneiras nas coisas narradas, seja na qualidade de quem viveu ou na de quem relata - a relação que existe entre o narrador e o ouvinte é dominada pelo interesse em conservar o que foi narrado. Qual a relação que existe entre Rabi Nakhman e Franz Kafka com o estudo sobre a narração de Benjamin?.Primeiramente Nakhman faz parte de uma tradição de narradores de forte influencia oral, que buscou durante toda sua vida viver pela justiça. No caso de Kafka, ele foi o último grande narrador da modernidade, sua obra faz parte do século XX, mas é um relato sobre a construção da humanidade. É nossa atualidade que é descrita, mas também é uma reflexão sobre toda ação humana. A matéria de trabalho de ambos os narradores é a vida humana. Não vamos aprofundar na dissertação sobre a obra do Rabi Nakhman e nem tão pouco em Franz Kafka. Do primeiro busco trabalhar o valor do tzadik, e sua influência no pensamento de Benjamin, do segundo a sua crítica à modernidade a partir da narração oral. Acredito que ao aproximar aspectos do pensamento de Rabi 70 Ibid. p. 205. 57
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Po<strong>de</strong>mos dizer que Rabi Nakhman antecipou Benjamin <strong>em</strong> 100 anos no<br />
tocante a seu trabalho sobre a narração. Para Nakhman, o ensinamento <strong>de</strong>veria ser<br />
transmitido <strong>de</strong> boca a boca, continuamente, expandindo-se para além da esfera das<br />
palavras ainda não proferidas. Através <strong>de</strong>sta mística da linguag<strong>em</strong>, seria <strong>de</strong>spertado<br />
o espírito <strong>em</strong> cada geração, rejuvenescendo o mundo para uma relação com Deus.<br />
Essa tradição oral por ele exercitada procurava <strong>de</strong>senvolver o dom <strong>de</strong> ouvir, e assim,<br />
fundar a comunida<strong>de</strong> dos ouvintes, algo que Benjamin fala <strong>em</strong> O Narrador: Contar<br />
histórias s<strong>em</strong>pre foi a arte <strong>de</strong> contá-las <strong>de</strong> novo, e ela se per<strong>de</strong> quando as histórias<br />
não são mais conservadas. Ela se per<strong>de</strong> porque ninguém mais fia ou tece enquanto<br />
ouve a história. 69<br />
O que ele quer dizer sobre fiar ou tecer enquanto ouvimos a história é a<br />
relação entre narração e trabalho manual. Mas provoco ao dizer que qu<strong>em</strong> ouve faz<br />
parte da narrativa no momento que se tornar um novo narrador. A história narrada<br />
não t<strong>em</strong> fim, pois a palavra final é do ouvinte. Como s<strong>em</strong>pre haverá um novo<br />
ouvinte, <strong>de</strong>ssa forma, a narração é uma história s<strong>em</strong> fim. O s<strong>em</strong> fim aqui não t<strong>em</strong><br />
nenhuma relação com eternida<strong>de</strong>, pelo contrário, é s<strong>em</strong> fim por receber s<strong>em</strong>pre uma<br />
nova contribuição <strong>de</strong> cada novo narrador. Por isso, qu<strong>em</strong> narra faz uso da sua<br />
experiência, e s<strong>em</strong> ela não existiria a narração oral.<br />
Para Benjamin a linguag<strong>em</strong> está s<strong>em</strong>pre associada à função poética da<br />
revelação. Esta experiência encontra-se no ensinamento <strong>de</strong> boca a boca a partir da<br />
narração. Qu<strong>em</strong> narra revela o que até então estava oculto. Rabi Nakhman faz uma<br />
interpretação muito particular sobre a palavra, o efeito não é sobre o locutor, mas<br />
sobre o ouvinte. Esse efeito atinge o ápice no momento <strong>em</strong> que o ouvinte se torna o<br />
locutor, e diz a palavra final. A lição que essa mística da linguag<strong>em</strong> nos traz é a<br />
importância da união entre qu<strong>em</strong> fala e qu<strong>em</strong> ouve. No momento que o ouvinte se<br />
torna o locutor, ele não apenas fala, mas compreen<strong>de</strong> o que ouviu - essa<br />
compreensão possibilita uma experiência dialógica a partir da narração. É a partir<br />
<strong>de</strong>sta experiência mística da linguag<strong>em</strong> que o hom<strong>em</strong> po<strong>de</strong> encontrar-se com Deus.<br />
Parece-me que seu objetivo ao recorrer à figura do narrador é aproximá-lo do<br />
justo, no momento <strong>em</strong> que concilia o estudo da linguag<strong>em</strong> com sua análise da<br />
história, partindo da teologia judaica. A dificulda<strong>de</strong> está no fato <strong>de</strong> Benjamin <strong>em</strong><br />
momento algum explica qu<strong>em</strong> é ele, apenas nos mostra um dos seus atributos: é um<br />
69 Op.cit. p.205.<br />
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