walter benjamin - Programa de Pós-Graduação em Filosofia - UFBA ...

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09.05.2013 Views

O que Benjamin contesta não é apenas a emprestada normatividade de uma compreensão da história, gerada pela imitação de modelos antigos; ele luta igualmente contra as duas concepções que já no terreno da compreensão moderna da história, interceptam e neutralizam a provocação do que é novo e do que é em absoluto inesperado. Opõe-se por um lado à concepção de um tempo homogêneo e vazio, que é preenchido pela “crença obstinada no progresso”, concepção do evolucionismo e da filosofia da história, e opõe-se por outro lado também à neutralização de todos os critérios levada a cabo pelo historicismo, quando tranca a história nos museus e “deixa passar os acontecimentos como quem desfia lentamente as contas de um rosário”. 31 A crítica benjaminiana à tradição parte da idéia de que ela não é isenta de interesses. Pelo contrário, é construída muitas vezes a partir de valores transitórios e infundados. Na verdade, aqui se encontra a sombra de sua crítica ao historicismo, crítica esta que ele irá trabalhar em Sobre o conceito da história. Tradição e modernidade se confundem. Habermas continua: A orientação especifica da idade moderna em direção ao futuro forma-se apenas na medida em que a modernização social destrói o campo experimental da velha Europa, de mundos da vida de cunho rural e artesanal, os mobiliza, e os desvaloriza enquanto conjuntos de directivas que comandam a expectativa. O lugar destas experiências legadas por anteriores gerações é ocupado então por aquela mesma experiência de progresso, que confere ao horizonte de expectativa, até aí firmemente alicerçado no passado, uma “qualidade nova do ponto de vista histórico, constantemente susceptível de ser excedida pela utopia”. 32 A modernidade cria um horizonte de expectativas determinadas pelo presente, que está aberto ao futuro, para assim orientar a “melhor maneira” de como devemos nos apoderar do passado. A relação entre modernidade e tradição encontra-se sob a suspeita de Benjamin. Ao tornar as experiências passadas, orientando-as para o futuro, o presente autêntico se afirma como lugar de preservação de tradições. Mas, para que isso ocorra, devemos continuamente fazer uso da memória. 31 HABERMAS, Jurgen. O discurso filosófico da modernidade. Trad.: Ana Maria Bernardo, José Rui Meirelles Pereira, Manuel José Simões Loureiro, Maria Antónia Espadinha Soares, Maria Helena Rodrigues de Carvalho, Maria Leopoldina de Almeida e Sara Cabral Seruya. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. p. 22. 32 Ibid. p. 23. 34

Benjamin suspeita da idéia de tesouros de bens culturais transmitidos para o presente de forma assimétrica. Para ele, a própria transmissão histórica passa por interesses dos “senhores da história”. Na verdade, ela é construída como parte de um discurso dos vencedores. Os objetos do passado sofrem essa apropriação de um presente que tem como meta o futuro. A continuidade da relação de transmissão cultural pode ser instituída tanto pela barbárie quanto pela civilização. Como a narração oral está diretamente ligada à experiência, o narrador confia nela para transmitir seus ensinamentos. Benjamin pontua a diferença entre narração oral e narração escrita. Na narração oral, o narrador através da relação com o fato constrói uma experiência. Com a narração escrita é diferente. Ela tende a construir um discurso pautado na verdade do fato ou não. Para ele, a narração escrita está relacionada com a história, e essa é contada pelos vencedores. O autor entende a narração como parte da estética. Para ele, tanto a arte como a filosofia têm um caráter reparador; ou seja, restaurar o que foi alterado com a queda. Sua concepção de linguagem torna absoluta a função poética da revelação. Ao aceitar uma subversão teológica, ele parte para a restituição de uma ordem ética. Por isso a figura do narrador tem um caráter ético determinante. Ao não aceitar um modelo unívoco para o que deveria ser a arte moderna ou contemporânea, ele desconfia de todo modelo geral (tradição) e ajusta sua tarefa aos fenômenos. Esta leitura está presente em Origem do drama barroco alemão. Na apresentação do livro, Sergio Paulo Rouanet analisa a diferença entre Origem (Ursprung) e Gênese (Entstehung): 33 Op.cit. p.19. A idéia de que “o termo origem não designa o vir-a-ser daquilo que se origina, e sim algo que emerge do vir-a-ser e da extinção”, corresponde ponto por ponto à tese de que o historiador dialético deve libertar o objeto histórico do fluxo da história contínua, salvando-o, sob a forma de um objeto-mônada: fragmento de história, agora atemporal, que o olhar de Medusa do historiador mineraliza, transformando-o em natureza, e que como tal dá acesso à pré-história do objeto, e à sua pós-história. Na perspectiva da história descontínua, a única verdadeiramente dialética, não se pode, portanto, falar em gênese, que supõe o vir-a-ser e o encadeamento causal, e sim em origem, que supõe um salto no Ser, além de qualquer processo. 33 35

Benjamin suspeita da idéia <strong>de</strong> tesouros <strong>de</strong> bens culturais transmitidos para o<br />

presente <strong>de</strong> forma assimétrica. Para ele, a própria transmissão histórica passa por<br />

interesses dos “senhores da história”. Na verda<strong>de</strong>, ela é construída como parte <strong>de</strong><br />

um discurso dos vencedores. Os objetos do passado sofr<strong>em</strong> essa apropriação <strong>de</strong><br />

um presente que t<strong>em</strong> como meta o futuro. A continuida<strong>de</strong> da relação <strong>de</strong> transmissão<br />

cultural po<strong>de</strong> ser instituída tanto pela barbárie quanto pela civilização. Como a<br />

narração oral está diretamente ligada à experiência, o narrador confia nela para<br />

transmitir seus ensinamentos. Benjamin pontua a diferença entre narração oral e<br />

narração escrita. Na narração oral, o narrador através da relação com o fato constrói<br />

uma experiência. Com a narração escrita é diferente. Ela ten<strong>de</strong> a construir um<br />

discurso pautado na verda<strong>de</strong> do fato ou não. Para ele, a narração escrita está<br />

relacionada com a história, e essa é contada pelos vencedores.<br />

O autor enten<strong>de</strong> a narração como parte da estética. Para ele, tanto a arte<br />

como a filosofia têm um caráter reparador; ou seja, restaurar o que foi alterado com<br />

a queda. Sua concepção <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> torna absoluta a função poética da<br />

revelação. Ao aceitar uma subversão teológica, ele parte para a restituição <strong>de</strong> uma<br />

or<strong>de</strong>m ética. Por isso a figura do narrador t<strong>em</strong> um caráter ético <strong>de</strong>terminante. Ao não<br />

aceitar um mo<strong>de</strong>lo unívoco para o que <strong>de</strong>veria ser a arte mo<strong>de</strong>rna ou<br />

cont<strong>em</strong>porânea, ele <strong>de</strong>sconfia <strong>de</strong> todo mo<strong>de</strong>lo geral (tradição) e ajusta sua tarefa<br />

aos fenômenos. Esta leitura está presente <strong>em</strong> Orig<strong>em</strong> do drama barroco al<strong>em</strong>ão. Na<br />

apresentação do livro, Sergio Paulo Rouanet analisa a diferença entre Orig<strong>em</strong><br />

(Ursprung) e Gênese (Entstehung):<br />

33 Op.cit. p.19.<br />

A idéia <strong>de</strong> que “o termo orig<strong>em</strong> não <strong>de</strong>signa o vir-a-ser daquilo que<br />

se origina, e sim algo que <strong>em</strong>erge do vir-a-ser e da extinção”,<br />

correspon<strong>de</strong> ponto por ponto à tese <strong>de</strong> que o historiador dialético<br />

<strong>de</strong>ve libertar o objeto histórico do fluxo da história contínua,<br />

salvando-o, sob a forma <strong>de</strong> um objeto-mônada: fragmento <strong>de</strong><br />

história, agora at<strong>em</strong>poral, que o olhar <strong>de</strong> Medusa do historiador<br />

mineraliza, transformando-o <strong>em</strong> natureza, e que como tal dá acesso<br />

à pré-história do objeto, e à sua pós-história. Na perspectiva da<br />

história <strong>de</strong>scontínua, a única verda<strong>de</strong>iramente dialética, não se po<strong>de</strong>,<br />

portanto, falar <strong>em</strong> gênese, que supõe o vir-a-ser e o enca<strong>de</strong>amento<br />

causal, e sim <strong>em</strong> orig<strong>em</strong>, que supõe um salto no Ser, além <strong>de</strong><br />

qualquer processo. 33<br />

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