walter benjamin - Programa de Pós-Graduação em Filosofia - UFBA ...
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da rememoração já fazia parte da cultura grega na figura do poeta, e mais tarde na do historiador, dois exemplos clássicos a que Benjamin também recorre. Para Benjamin, o narrador não pode ser dissociado do âmbito teológico. Essa figura por ele resgatada do hassidismo se torna o exemplo de resistência contra os ataques da modernidade. Não podemos esquecer que o mundo moderno se distingue do medieval pelo fato de estar aberto ao futuro, o começo do novo epocal se repete a cada momento do presente, que a partir de si gera o novo. O narrador lembra a figura dos profetas do Velho Testamento, que, ao lutarem contra as injustiças sociais, tinham plena consciência do seu dever diante da vontade divina. Para o homem bíblico, a experiência do tempo mostra a luta contínua contra o determinismo e condicionamentos, ao exercitar a liberdade pessoal. No momento em que constata que o narrador não está mais presente entre nós em sua atualidade viva, Benjamin compreende que o mundo secular não pode aceitar essa figura. A figura do narrador está indissociavelmente ligada ao Tzadik. É importante mencionar, como observou Walter Israel Rehfeld em Tempo e Religião, que o tempo sagrado para o judaísmo não é um tempo fenomênico determinado pelo acontecer, mas um tempo de recordações. Um tempo em que se revela a exigência divina e não o seu ser, exigência esta que molda a vida, nas condições dadas, na base dos ensinamentos do passado - o tempo sagrado representa tudo que o presente deveria ser e não é, constituindo um desafio constante, exigindo transformações revolucionárias da realidade, uma mudança messiânica cujo modelo pode encontrar no tempo sagrado. Benjamin associa o abalo da experiência à perda da capacidade de narrar. A narração é uma experiência do relato, que se desenvolveu até o surgimento do livro. No entanto, ela só foi possível graças a um enorme saber acumulado pelos narradores. Podemos dizer que existe na narração oral uma ética do saber. Tomo essa expressão como sendo um compromisso do mestre em ensinar os valores concernentes a uma tradição, mostrando ao aprendiz, através da experiência dialógica, que o conhecimento tem uma finalidade tanto social quanto existencial na formação do sujeito. A narração oral é trazida pela voz; a voz exerce no meio humano uma função importante, o que ela transmite existe de forma espacial muito mais que temporal. A linguagem é movimento. Ela transporta as pessoas que falam e escutam para dentro 32
do campo da correspondência. É nesse ponto que entra a memória com sua função de preservar o que foi narrado. Se a voz é presença, a narração oral é memória. Com o desenvolvimento tecnológico, ocorreram diversas transformações, particularmente no tocante à experiência do homem em relação ao tempo. O tempo da modernidade é determinado pela velocidade das máquinas. Não existe mais lugar para a experiência sagrada do tempo. Benjamin observa: Não, está claro que as ações da experiência estão em baixa, e isso numa geração que entre 1914 e 1918 viveu uma das mais terríveis experiências da história. Talvez isso não seja tão estranho como parece. Na época, já se podia notar que os combatentes tinham voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em experiências comunicáveis, e não mais ricos. Os livros de guerra que inundaram o mercado literário nos dez anos seguintes não continham experiências transmissíveis de boca em boca. Não, o fenômeno não é estranho. Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes. Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos viuse abandonada, sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano. 30 Na citação, ao levantar uma crítica ao progresso, Benjamin atinge três pontos fundamentais da modernidade: a suposta idéia de progresso pela técnica, a experiência do tempo do homem moderno e a alienação deste diante do aparelho de guerra. Para ele, essa idéia de progresso é contraditória, já que não atinge a humanidade como um todo. No exemplo citado, a tecnologia atingiu um desenvolvimento inimaginável até então. Por outro lado, a vida humana chegou a um estado de degradação terrível, principalmente no novo aparelho de guerra, muito mais eficiente em sua destruição. Quanto ao tempo, a velocidade que era desconhecida até então possibilita transformações sociais, em particular nos meios de transporte. A tecnologia alterou a percepção da maneira pela qual a sociedade era organizada. A leitura feita por Benjamin da tradição parte da idéia de que ela atraiçoa tudo que transmite. Ao se tornar um objeto da tradição, este já está com seus dias contados, e sua espontaneidade é perdida. Ao ser desassociada da experiência, a tradição se torna onipotente. Como observou Jurgen Habermas: 30 Op.cit. p. 114-115. 33
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do campo da correspondência. É nesse ponto que entra a m<strong>em</strong>ória com sua função<br />
<strong>de</strong> preservar o que foi narrado. Se a voz é presença, a narração oral é m<strong>em</strong>ória.<br />
Com o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, ocorreram diversas transformações,<br />
particularmente no tocante à experiência do hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> relação ao t<strong>em</strong>po. O t<strong>em</strong>po<br />
da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>terminado pela velocida<strong>de</strong> das máquinas. Não existe mais<br />
lugar para a experiência sagrada do t<strong>em</strong>po. Benjamin observa:<br />
Não, está claro que as ações da experiência estão <strong>em</strong> baixa, e isso<br />
numa geração que entre 1914 e 1918 viveu uma das mais terríveis<br />
experiências da história. Talvez isso não seja tão estranho como<br />
parece. Na época, já se podia notar que os combatentes tinham<br />
voltado silenciosos do campo <strong>de</strong> batalha. Mais pobres <strong>em</strong><br />
experiências comunicáveis, e não mais ricos. Os livros <strong>de</strong> guerra que<br />
inundaram o mercado literário nos <strong>de</strong>z anos seguintes não continham<br />
experiências transmissíveis <strong>de</strong> boca <strong>em</strong> boca. Não, o fenômeno não<br />
é estranho. Porque nunca houve experiências mais radicalmente<br />
<strong>de</strong>smoralizadas que a experiência estratégica pela guerra <strong>de</strong><br />
trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do<br />
corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes. Uma<br />
geração que ainda fora à escola num bon<strong>de</strong> puxado por cavalos viuse<br />
abandonada, s<strong>em</strong> teto, numa paisag<strong>em</strong> diferente <strong>em</strong> tudo, exceto<br />
nas nuvens, e <strong>em</strong> cujo centro, num campo <strong>de</strong> forças <strong>de</strong> correntes e<br />
explosões <strong>de</strong>struidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano. 30<br />
Na citação, ao levantar uma crítica ao progresso, Benjamin atinge três pontos<br />
fundamentais da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: a suposta idéia <strong>de</strong> progresso pela técnica, a<br />
experiência do t<strong>em</strong>po do hom<strong>em</strong> mo<strong>de</strong>rno e a alienação <strong>de</strong>ste diante do aparelho <strong>de</strong><br />
guerra. Para ele, essa idéia <strong>de</strong> progresso é contraditória, já que não atinge a<br />
humanida<strong>de</strong> como um todo.<br />
No ex<strong>em</strong>plo citado, a tecnologia atingiu um <strong>de</strong>senvolvimento inimaginável até<br />
então. Por outro lado, a vida humana chegou a um estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação terrível,<br />
principalmente no novo aparelho <strong>de</strong> guerra, muito mais eficiente <strong>em</strong> sua <strong>de</strong>struição.<br />
Quanto ao t<strong>em</strong>po, a velocida<strong>de</strong> que era <strong>de</strong>sconhecida até então possibilita<br />
transformações sociais, <strong>em</strong> particular nos meios <strong>de</strong> transporte. A tecnologia alterou a<br />
percepção da maneira pela qual a socieda<strong>de</strong> era organizada.<br />
A leitura feita por Benjamin da tradição parte da idéia <strong>de</strong> que ela atraiçoa tudo<br />
que transmite. Ao se tornar um objeto da tradição, este já está com seus dias<br />
contados, e sua espontaneida<strong>de</strong> é perdida. Ao ser <strong>de</strong>sassociada da experiência, a<br />
tradição se torna onipotente. Como observou Jurgen Habermas:<br />
30 Op.cit. p. 114-115.<br />
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