walter benjamin - Programa de Pós-Graduação em Filosofia - UFBA ...

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09.05.2013 Views

morte. Dessa forma, a técnica modelou o rosto apocalíptico da natureza e o reduziu ao silencio, embora pudesse ter sido a força capaz de lhe dar uma voz. Benjamin denuncia o mau uso da técnica feito pela guerra: A guerra química, pela qual os colaboradores desse livro demonstram tão pouco interesse, promete dar à guerra do futuro uma fisionomia que dispensa definitivamente as categorias soldadescas em prol das esportivas e colocará as ações militares sob o signo do recorde. Sua característica estratégica mais forte é o fato de ser pura guerra de agressão, da maneira mais radical possível. Contra os ataques aéreos com gases tóxicos não existe, como se sabe, nenhuma defesa eficaz [...]. A guerra química se baseará em recordes de extermínio e envolve riscos levados ao absurdo. Se o início da guerra ocorrerá dentro das normas internacionais – depois de uma prévia declaração de guerra – é algo que ninguém sabe; seu término não precisará mais contar com esse tipo de barreiras. Ao abolir a distinção entre população civil e combatente, a guerra de gases anula a base mais importante do direito das gentes. Já mostrou a última guerra que a desorganização que a guerra imperialista traz consigo ameaça torná-la uma guerra sem fim. 23 Sua crítica está pontuada pelo valor da vida. As novas técnicas de guerra desconsideram a diferença entre civis e soldados, ao destruir os direitos humanos. Movida pela eficácia, essas técnicas têm como metas o recorde de baixas no lado inimigo. Ao tentar transformar a guerra numa abstração metafísica, buscam dissolver na técnica, de modo imediato, o segredo de uma natureza concebida em termos idealistas, em vez de tentar explicar esse segredo através de coisas humanas. Eugen Rosenstock-Huessy escreve que a guerra é o conflito entre o aqui e o lá, entre a linguagem dos amigos e a dos inimigos, e que a revolução é o conflito entre o velho e o novo, entre a linguagem de ontem e a de amanhã, com os grupos de linguagem do amanhã no ataque. Eu diria que é o embate entre as novas técnicas e as antigas tradições, entre antigos valores e a quase ausência deste nos nossos dias. Desse conflito de interesses, a desvalorização da vida chega a seu ápice no momento em que a voz se cala. Cito: 23 Ibid. p. 131. Guerra, crise, revolução e degeneração são doenças assimétricas do mesmo corpo: a linguagem. A linguagem que não se fala em todo e qualquer lugar resulta em guerra. A linguagem que não se fala em todos os caminhos obrigatórios da vida resulta em crise. A linguagem 26

que não se falou ontem termina em revolução. A linguagem que não se pode falar no dia de amanhã traz a decadência. 24 Benjamin também acredita que a violência é resultado da falta de diálogo. Ele interpreta a conversa como sendo uma técnica de mútuo entendimento civil, onde um acordo não violento é possível, até mesmo a eliminação do principio da violência. Essa experiência dialógica começa pela narração oral, em que narrador e ouvinte se aproximam através da voz. Na verdade, a voz é presença como informa Paul Zumthor em Escritura e nomadismo. A transmissão de um conhecimento através da voz (narração oral) implica uma ligação concreta, uma imediaticidade, uma troca corporal através do olhar ou do gesto. A voz sempre exerceu no meio humano uma função importante, mas com o surgimento da imprensa vai aos poucos perdendo sua importância, como observou o Benjamin. O que representa a narração para ele? É uma experiência existencial do homem dentro de uma tradição que parte da memória, em que a narração oral é fundamental para a troca de experiências. Da relação entre narrador e ouvinte existe o interesse em conservar o que foi narrado. Para Benjamin, a narração não esta condicionada apenas à voz humana, mas faz parte dela a mão com seus gestos aprendidos na experiência do trabalho, que de várias formas sustenta o fluxo do que é dito. A matéria do narrador é a vida humana. A riqueza presente na narração oral não está apenas na voz de quem narra, mas na paciência de quem ouve. O dom de ouvir é parte da comunidade dos ouvintes. Portanto, a experiência narrativa é um chamado ao diálogo. Ao contrapor a narração à informação, Benjamin compreende que a informação não se prende em momento algum à reminiscência, pelo contrário, a informação só tem valor no momento em que é nova. Ela vive nesse momento de novidade, precisa entregar-se inteiramente a ele, e lutando contra o tempo tem que se explicar nele. Com a consolidação da burguesia, que tem na imprensa um dos seus instrumentos mais importantes, a informação passa a determinar o ritmo da comunicação. 24 ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. A origem da linguagem. Trad.: Pedro Setta Câmara, Marcelo De Polli Bezerra, Márcia Xavier de Brito e Maria Inês Panzoldo de Carvalho. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 65. 27

morte. Dessa forma, a técnica mo<strong>de</strong>lou o rosto apocalíptico da natureza e o reduziu<br />

ao silencio, <strong>em</strong>bora pu<strong>de</strong>sse ter sido a força capaz <strong>de</strong> lhe dar uma voz. Benjamin<br />

<strong>de</strong>nuncia o mau uso da técnica feito pela guerra:<br />

A guerra química, pela qual os colaboradores <strong>de</strong>sse livro<br />

<strong>de</strong>monstram tão pouco interesse, promete dar à guerra do futuro<br />

uma fisionomia que dispensa <strong>de</strong>finitivamente as categorias<br />

solda<strong>de</strong>scas <strong>em</strong> prol das esportivas e colocará as ações militares<br />

sob o signo do recor<strong>de</strong>. Sua característica estratégica mais forte é o<br />

fato <strong>de</strong> ser pura guerra <strong>de</strong> agressão, da maneira mais radical<br />

possível. Contra os ataques aéreos com gases tóxicos não existe,<br />

como se sabe, nenhuma <strong>de</strong>fesa eficaz [...]. A guerra química se<br />

baseará <strong>em</strong> recor<strong>de</strong>s <strong>de</strong> extermínio e envolve riscos levados ao<br />

absurdo. Se o início da guerra ocorrerá <strong>de</strong>ntro das normas<br />

internacionais – <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma prévia <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> guerra – é algo<br />

que ninguém sabe; seu término não precisará mais contar com esse<br />

tipo <strong>de</strong> barreiras. Ao abolir a distinção entre população civil e<br />

combatente, a guerra <strong>de</strong> gases anula a base mais importante do<br />

direito das gentes. Já mostrou a última guerra que a <strong>de</strong>sorganização<br />

que a guerra imperialista traz consigo ameaça torná-la uma guerra<br />

s<strong>em</strong> fim. 23<br />

Sua crítica está pontuada pelo valor da vida. As novas técnicas <strong>de</strong> guerra<br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ram a diferença entre civis e soldados, ao <strong>de</strong>struir os direitos humanos.<br />

Movida pela eficácia, essas técnicas têm como metas o recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> baixas no lado<br />

inimigo. Ao tentar transformar a guerra numa abstração metafísica, buscam dissolver<br />

na técnica, <strong>de</strong> modo imediato, o segredo <strong>de</strong> uma natureza concebida <strong>em</strong> termos<br />

i<strong>de</strong>alistas, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> tentar explicar esse segredo através <strong>de</strong> coisas humanas.<br />

Eugen Rosenstock-Huessy escreve que a guerra é o conflito entre o aqui e o<br />

lá, entre a linguag<strong>em</strong> dos amigos e a dos inimigos, e que a revolução é o conflito<br />

entre o velho e o novo, entre a linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> ont<strong>em</strong> e a <strong>de</strong> amanhã, com os grupos<br />

<strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> do amanhã no ataque. Eu diria que é o <strong>em</strong>bate entre as novas<br />

técnicas e as antigas tradições, entre antigos valores e a quase ausência <strong>de</strong>ste nos<br />

nossos dias. Desse conflito <strong>de</strong> interesses, a <strong>de</strong>svalorização da vida chega a seu<br />

ápice no momento <strong>em</strong> que a voz se cala. Cito:<br />

23 Ibid. p. 131.<br />

Guerra, crise, revolução e <strong>de</strong>generação são doenças assimétricas do<br />

mesmo corpo: a linguag<strong>em</strong>. A linguag<strong>em</strong> que não se fala <strong>em</strong> todo e<br />

qualquer lugar resulta <strong>em</strong> guerra. A linguag<strong>em</strong> que não se fala <strong>em</strong><br />

todos os caminhos obrigatórios da vida resulta <strong>em</strong> crise. A linguag<strong>em</strong><br />

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