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78<br />

A alusão deslocada é vista por Silva como possibilidade de um<br />

puro jogo de Borges que provoca embaralhamento entre o que se<br />

menciona no texto, disfarçando o prólogo-moldura em meio às demais<br />

histórias de encaixe citadas no poema. 106 Mas ainda que na obra árabe o<br />

prólogo seja o ponto de partida para todas as outras narrativas das<br />

Noites, ou seja, as margens últimas de ficção da obra, por assim dizer,<br />

ele não é determinado nos versos do escritor como tal. Isso pode muito<br />

bem corroborar a vontade de Borges em ver as Noites como livro<br />

infinito e sem princípio, dado que um livro inesgotável, como o Livro de<br />

Areia, não pode contar com um começo, um meio e um fim, estando<br />

muito próximo à da concepção filosófica da divindade ou natureza como<br />

esfera perfeita: “Una esfera espantosa, cuyo centro está en todas partes y<br />

la circunferencia en ninguna”, cita o escritor em “La esfera de<br />

Pascal”. 107<br />

Convém lembrar que o fluxo do tempo irrefreável, disposto pela<br />

primeira metáfora que orienta o poema, encontra uma correspondência<br />

poderosa na referência ao prólogo-moldura das Noites. Não tanto pela<br />

imagem do soberano que entrega ao verdugo as suas rainhas recém-<br />

desposadas depois de ter passado apenas uma noite com elas, mas<br />

sobretudo pela presença subjetiva de Šahrāzād, narradora que acaba com<br />

a matança de inocentes e tenta, noite após noite, deter através da palavra<br />

a morte que lhe é iminente, mantendo-a, como ressaltou Michel<br />

Foucault, “fora do ciclo da existência” 108 . Uma artimanha que não é<br />

106 SILVA. Op. cit., p. 57.<br />

107 PASCAL, Blaise apud BORGES. Otras inquisiciones, OC2, p. 16.<br />

108 FOUCAULT, Michel. Ditos & escritos [Dits et écrits]. v. 3. Trad. Inês Autran Dourado. Rio<br />

de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 268.

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