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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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Quando a entrevistada se refere a “eles” se tem à frente um vestígio<br />

que indica <strong>uma</strong> apropriação tensa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> essencializada,<br />

sobre a qual a Sra. Maria Laura constrói seu lugar como li<strong>de</strong>rança<br />

étnica. O “eles inferiores” possibilita apreen<strong>de</strong>r como, no discurso, ela<br />

produz mais que posições hierarquizadas no grupo que supostamente<br />

representa. O dispositivo serve-lhe, ao mesmo tempo, como mecanismo<br />

<strong>de</strong> empo<strong>de</strong>ramento perante os não negros.<br />

Outras passagens da entrevista corroboram minha análise.<br />

Aludindo à sua biografia, <strong>de</strong>stacou a autorida<strong>de</strong> conquistada como<br />

professora, com experiência em várias escolas. Orgulha-se por ter<br />

ensinado crianças “alemãs” e “caboclas”. Ainda que utilizasse em sua<br />

narrativa tais categorias, afirmou nunca ter distinguido seus alunos, o<br />

que lhe permitiu falar sempre “<strong>de</strong> igual para igual” com os não negros.<br />

Como presi<strong>de</strong>nte da Afroville, disse também ser bastante reverenciada<br />

por presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> outras entida<strong>de</strong>s étnicas, incluindo o cônsul honorário<br />

da Alemanha, Udo Döhler, conhecido empresário joinvilense.<br />

Por outro lado, Maria Laura enumerou os projetos e compromissos<br />

do instituto em prol da almejada “evolução” dos seus “irmãos”, quais<br />

sejam a distribuição <strong>de</strong> cestas básicas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “avaliado” o grau <strong>de</strong><br />

indigência dos requerentes, a promoção <strong>de</strong> eventos sociais em locais<br />

badalados da cida<strong>de</strong> – como o concurso da miss e do mais belo afro <strong>de</strong><br />

<strong>Joinville</strong>, que já teria ocorrido inclusive no <strong>Joinville</strong> Tênis Clube –, a<br />

criação <strong>de</strong> museus e a participação em festas com as <strong>de</strong>mais etnias. Além<br />

<strong>de</strong>sses, outros dois foram especialmente <strong>de</strong>stacados pela entrevistada: a<br />

elaboração da “Cartilha” da história dos afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e o “Ca<strong>de</strong>rno<br />

<strong>Joinville</strong>”, que reuniria em capítulos informações <strong>de</strong> cada etnia.<br />

Imaginei que o projeto do ca<strong>de</strong>rno culminaria n<strong>uma</strong> versão<br />

impressa do “encontro das etnias” da Festa das Tradições, já que cada<br />

associação seria responsável por seu capítulo, apresentando o que<br />

“achasse mais importante”. A similarida<strong>de</strong> metodológica apresentada<br />

pela entrevistada explicitava, no meu ponto <strong>de</strong> vista, a abordagem<br />

generalizada sobre a diversida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong> <strong>Joinville</strong>: <strong>uma</strong> diversida<strong>de</strong><br />

exposta pela compartimentação, segmentada e sem zonas <strong>de</strong> contato,<br />

em que o diverso apenas é <strong>uma</strong> prova da existência do igual.<br />

O projeto da cartilha foi <strong>de</strong>talhadamente explicado, talvez<br />

pelo <strong>de</strong>sejo da entrevistada <strong>de</strong> estabelecer parceria com a equipe <strong>de</strong><br />

entrevistadores. O objetivo seria criar um instrumento didático mais<br />

po<strong>de</strong>roso para “conscientização” sobre “a história da África e dos negros<br />

no Brasil”. Organizada em volumes, a cartilha <strong>de</strong>veria ser utilizada

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