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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte “soa mais suave”. Para os negros joinvilenses,<br />

autoatribuir-se como afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes seria <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> valorizar<br />

suas diferenças em termos <strong>de</strong> origem e não <strong>de</strong> atributos físicos. Para os<br />

brancos joinvilenses o termo também seria mais aceito, já que percebia<br />

recorrentemente que os brancos teriam receio <strong>de</strong> pronunciar a palavra<br />

negro, como se ela já manifestasse preconceitos e discriminações,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do contexto e da forma em que é enunciada 56 .<br />

Como presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um movimento <strong>de</strong> consciência negra, a Sra.<br />

Alessandra acredita que, à medida que for “revelada” a história dos<br />

negros em <strong>Joinville</strong>, esse e outros receios serão superados. Em primeiro<br />

lugar, o reconhecimento da “diversida<strong>de</strong> cultural” urbana po<strong>de</strong>rá não<br />

mais se circunscrever às festivida<strong>de</strong>s públicas, mas ser “revelada”<br />

historicamente para a “conscientização” <strong>de</strong> todos. Em segundo lugar,<br />

essa história instrumentalizará os próprios negros a afirmarem sua<br />

negritu<strong>de</strong> com base em outros referenciais, menos vitimários que aqueles<br />

extraídos do passado escravista brasileiro.<br />

Essa não é a opinião <strong>de</strong> Maria Laura Cardoso, presi<strong>de</strong>nte do<br />

Instituto Afro-Brasileiro <strong>de</strong> <strong>Joinville</strong>. Ela imputa ao “<strong>de</strong>scobrimento<br />

do Brasil”, à apreensão dos negros na África e à <strong>de</strong>corrente difusão da<br />

escravidão por todo o país a real natureza motivadora para a criação “<strong>de</strong><br />

fato” do instituto por ela iniciado. Todos esses acontecimentos, segundo<br />

sua avaliação, marcaram in<strong>de</strong>levelmente o caráter e o comportamento<br />

dos negros. O instituto, assim como os próprios afro-brasileiros <strong>de</strong><br />

<strong>Joinville</strong>, seria portador <strong>de</strong>ssa “essência”. Para ela, “a discriminação<br />

ao negro sempre existiu e sempre existirá”, e isso tem a ver com a<br />

estagnação da gran<strong>de</strong> maioria dos negros e a “evolução” <strong>de</strong> poucos.<br />

Superar esse estado imporia, àqueles que atingiram um nível social mais<br />

elevado, a tarefa <strong>de</strong> estimular os seus “irmãos” a romper com a inércia<br />

que os acomoda e que os faz se autoconceberem como inferiores. Diz<br />

ela: “Eles não foram educados, enten<strong>de</strong>, para estudar. É complicado,<br />

eles não têm evolução e eles são inteligentíssimos. Os próprios negros<br />

se inferiorizam. [...] Eles próprios se discriminam. Aqui em <strong>Joinville</strong><br />

é assim” 57 .<br />

56 Em certo sentido, esse receio <strong>de</strong> que fala Alessandra foi constatado no processo <strong>de</strong> entrevista<br />

com outras li<strong>de</strong>ranças étnicas. Ao serem questionados sobre a importância dos negros na história<br />

<strong>de</strong> <strong>Joinville</strong>, alguns termos e adjetivos foram adotados por essas li<strong>de</strong>ranças <strong>de</strong> maneira bastante<br />

cautelosa, intentando eufemizar o uso da palavra negro empregada na própria pergunta. Assim,<br />

“pessoas <strong>de</strong> cor”, “morenos”, “moreninhos” e “escurinhos” circularam nos <strong>de</strong>poimentos como<br />

vocábulos supostamente mais amenizadores.<br />

57 CARDOSO, Maria Laura. Op. cit.<br />

57

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