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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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pertencente ao Instituto Afro-Brasileiro <strong>de</strong> <strong>Joinville</strong> – Afroville 47 . Os<br />

painéis traziam cenas que retratavam <strong>uma</strong> floresta hostil, caravelas<br />

e homens negros 48 acorrentados. No último painel <strong>uma</strong> mensagem<br />

explicitava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afirmar a igualda<strong>de</strong> da espécie h<strong>uma</strong>na e<br />

combater possíveis preconceitos: “Somos várias raças, mas o sangue é<br />

igual”. Fiquei intrigada com a proposta do estan<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>nunciava a<br />

conquista europeia do continente mas não fazia sequer <strong>uma</strong> alusão à<br />

pertinência étnica “africana” à cida<strong>de</strong>.<br />

Por que o estan<strong>de</strong>, ao promover <strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> exaltação<br />

vitimária à etnia africana, produzia ao mesmo tempo a “invisibilida<strong>de</strong>”<br />

dos negros em <strong>Joinville</strong>?<br />

O termo invisibilida<strong>de</strong> é aqui entendido conforme o apresentado<br />

por Ilka Boaventura Leite 49 . Para ela, vários argumentos e comparações<br />

produzidas pela “literatura científica” concorrem para a invisibilida<strong>de</strong><br />

dos negros em Santa Catarina: ser o Estado que, quando comparado com<br />

os <strong>de</strong>mais, possui um dos menores índices <strong>de</strong>mográficos <strong>de</strong> presença<br />

negra; constituir-se historicamente como a principal referência para o<br />

projeto imigrantista voltado ao branqueamento do país; e em seu passado<br />

colonial não ter sido região integrante do gran<strong>de</strong> sistema escravista<br />

voltado para a exportação. Tais argumentos contribuem para a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> <strong>uma</strong> suposta inexpressivida<strong>de</strong> histórica e social dos negros que se<br />

reflete nas práticas políticas e culturais contemporâneas, atingindo até<br />

47 Embora a criação da entida<strong>de</strong> não assegurasse <strong>uma</strong> efetiva participação social ou mesmo<br />

garantisse visibilida<strong>de</strong> àqueles a que <strong>de</strong>sejava representar, em 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999 o jornal<br />

A Notícia informava: “Negros criam Instituto Afro-brasileiro”. A cerimônia <strong>de</strong> oficialização do<br />

Instituto foi realizada na Liga <strong>de</strong> Socieda<strong>de</strong>s, no dia 10 do mesmo mês. Segundo o jornalista<br />

Sergio Almeida, na “Cida<strong>de</strong> dos Príncipes” a etnia afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte teria dado um passo rumo<br />

à igualda<strong>de</strong> social. A presi<strong>de</strong>nte da entida<strong>de</strong>, Maria Laura Cardoso Eleutério, afirmava: “Nosso<br />

objetivo é alcançar, a curto e a longo prazo, um trabalho <strong>de</strong> axé, on<strong>de</strong> possamos <strong>de</strong>senvolver a<br />

nossa cultura, a nossa socialização, a nossa religião e, principalmente, olhar muito <strong>de</strong> perto a<br />

evolução [dos afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes]”. ALMEIDA, Sergio. Negros criam o Instituto Afro-brasileiro.<br />

a notícia, <strong>Joinville</strong>, 22 <strong>de</strong>z. 1999. Disponível em: .<br />

Acesso em: 10 out. 2008.<br />

48 Os termos “negro” e “afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte” carregam ambivalências que dizem respeito ao<br />

<strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> sentidos promovidos pelos sujeitos que os enunciam. Foi difícil padronizar<br />

seu uso, visto que, <strong>de</strong> um lado, os trabalhos historiográficos que li, na sua maioria, se<br />

referem à população negra por meio do termo “negro”, ainda que <strong>de</strong>staquem a complexida<strong>de</strong><br />

e as diferenças culturais que suscitam ao problematizá-la. Por outro lado, nas entrevistas<br />

orais, mesmo que os dois termos tenham sido utilizados, houve um predomínio do termo<br />

“afro<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte” como elemento distintivo e i<strong>de</strong>ntitário, significado com base em <strong>uma</strong><br />

“comunida<strong>de</strong> imaginada”: África.<br />

49 LEITE, Ilka Boaventura (Org.). negros no sul do Brasil. Florianópolis: Letras Contemporâneas,<br />

1996.

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