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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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pertencimentos, <strong>uma</strong> vez que “migrar e ser aceito também é fazer um<br />

pouco da antropofagia da cida<strong>de</strong>. Tem que comer <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong>, tem<br />

que incorporar essa cida<strong>de</strong> na minha comida, no meu jeito <strong>de</strong> viver”.<br />

Provoquei o Sr. Silvestre dizendo-lhe que, diante <strong>de</strong> suas<br />

explicações, suspeitava que a peça, além <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r ser a personagem<br />

principal, era tramada como referência <strong>de</strong> mediação carregada por<br />

impulsos românticos <strong>de</strong> irmanação da diversida<strong>de</strong>. Calmamente me<br />

disse que o romantismo não é um elemento <strong>de</strong> crítica à peça; ao<br />

contrário, é <strong>uma</strong> qualida<strong>de</strong> das mais positivas, pois a trupe acredita<br />

que pelo teatro é possível promover encontros, “não importa[ndo] se veio<br />

do Paraná, do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, tem um sentimento muito parecido”.<br />

Lembrou que em apenas <strong>uma</strong> apresentação os atores tiveram <strong>de</strong> mediar<br />

um <strong>de</strong>sencontro nada romântico.<br />

O inci<strong>de</strong>nte ocorreu no momento em que o espetáculo para.<br />

Uma pessoa que se i<strong>de</strong>ntificou como paulista fez alusões <strong>de</strong>preciativas<br />

e bastante preconceituosas em relação à cida<strong>de</strong>, entre as quais que<br />

não sabia on<strong>de</strong> os joinvilenses guardavam seus livros, se é que os<br />

tinham. Outra pessoa da plateia levantou e agressivamente discordou<br />

da interlocutora. Diz o Sr. Silvestre: “Para a gente foi um conflito difícil<br />

<strong>de</strong> administrar na hora, [...] na hora nos atores dá um branco. Como<br />

você corta <strong>uma</strong> briga <strong>de</strong>ssa? [...] Tem que pensar no espetáculo como<br />

um todo, porque aquilo é <strong>uma</strong> parada, mas é um espetáculo”.<br />

A par <strong>de</strong>ssa singular experiência narrada, recupero a questão que<br />

já <strong>de</strong>staquei anteriormente valendo-me das explicações <strong>de</strong> Sarlo. Penso<br />

que, na narrativa do Sr. Silvestre, Migrantes se situa como <strong>uma</strong> das<br />

novas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> operação do passado com recursos testemunhais.<br />

Respon<strong>de</strong>ndo, a seu modo, às atuais <strong>de</strong>mandas políticas, morais,<br />

intelectuais e afetivas, buscaria promover na esfera público-artística<br />

encontros sustentados por <strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> licença poética teatral, na qual<br />

a imprevisibilida<strong>de</strong> das rememorações sobre as diferenças não po<strong>de</strong>ria<br />

ultrapassar a autorização outorgada circunscrita ao seu território.<br />

Em outras palavras, o uso das memórias no espetáculo teatral<br />

correspon<strong>de</strong>ria a <strong>uma</strong> maneira própria <strong>de</strong> reparar ausências, invocar<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, produzir e reconhecer novas versões históricas, incluir<br />

excluídos, enfim, afirmar a existência dos diferentes e, principalmente,<br />

atribuir papéis para que as diferenças emergissem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

correspon<strong>de</strong>ssem ao script. Por isso, naquela situação que “<strong>de</strong>u um branco”<br />

nos atores, lembra o Sr. Silvestre que o espetáculo <strong>de</strong>veria prevalecer<br />

sobre furtivas manifestações preconceituosas que <strong>de</strong>sestabilizassem a

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