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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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314<br />

N<strong>uma</strong> longa narrativa, construiu significados sobre as atribulações<br />

que atravessaram sua construção social como homossexual antes e<br />

<strong>de</strong>pois da migração. Sobre a infância, lembra: “Des<strong>de</strong> muito cedo, antes<br />

<strong>de</strong> entrar para a escola, já fui rotulado na cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> eu vivia. [...] antes<br />

<strong>de</strong> eu ter noção da sexualida<strong>de</strong> eu já era <strong>uma</strong> ‘mariquinha’”. Tal estigma,<br />

segundo explica, se ligava aos seus gostos e sensibilida<strong>de</strong>s para com<br />

as artes e a literatura. O pai era jornalista e a mãe professora, e isso<br />

teria sido fundamental para preferir livros a bolas <strong>de</strong> futebol. Diz ele:<br />

“Eu gostava <strong>de</strong> tudo aquilo que a maioria das crianças e principalmente<br />

os meninos não po<strong>de</strong>riam, n<strong>uma</strong> cida<strong>de</strong> pequena, gostar. Então, eu já<br />

estava, pela socieda<strong>de</strong> local, fadado a um <strong>de</strong>stino só, que era o <strong>de</strong>stino<br />

<strong>de</strong> ser homossexual”.<br />

Para conviver com as críticas, buscava se <strong>de</strong>stacar em tudo o<br />

que fazia. Porém isso não bastava. Ouvia repetidamente que, quando<br />

chegasse aos 18 anos, tudo iria se resolver, pois entraria para o Exército<br />

e lá apren<strong>de</strong>ria a ser homem. Tal solução, enunciada por parentes,<br />

professores e conhecidos, se tornou <strong>uma</strong> assombração apavorante,<br />

intensificada à medida que os seus aniversários eram comemorados.<br />

Por outro lado, diz ele: “Como adolescente eu passei a me interessar<br />

mais pelos outros meninos. Por quê? Porque eu buscava padrão que eu<br />

não tinha. Se eu era o errado, quem era o certo? O que eu tinha <strong>de</strong><br />

errado que os outros meninos tinham <strong>de</strong> tão bom?”.<br />

A tentativa <strong>de</strong> suicídio foi aos 17 anos. Lembra o Sr. Charles<br />

que, na época, seus conflitos internos também foram acirrados pelo<br />

<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se tornar museólogo, arqueólogo, historiador, artista plástico<br />

ou escritor, profissões consi<strong>de</strong>radas inadmissíveis para meninos.<br />

A overdose <strong>de</strong> medicamentos custou-lhe <strong>uma</strong> lavagem estomacal<br />

rapidamente tornada <strong>de</strong> domínio público. Com isso, continua:<br />

135 NARLOCH, Charles. Op. cit.<br />

Ficou inviável, principalmente para o meu pai.<br />

Então eles acabaram <strong>de</strong>cidindo que não dava<br />

mais, que tinha que sair <strong>de</strong> lá e ir para <strong>uma</strong><br />

cida<strong>de</strong> [...] um pouco mais aberta em relação<br />

a alg<strong>uma</strong>s questões, não é!? Não em relação à<br />

homossexualida<strong>de</strong>, que isso não estava trabalhado<br />

nem na cabeça <strong>de</strong>les e nem na minha. Mas em<br />

relação, por exemplo, à sensibilida<strong>de</strong>, ao gosto<br />

pela arte, ao gosto pela música, ao gosto pela<br />

literatura 135 .

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