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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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menino <strong>de</strong> rua eu posso saber se ele realmente é<br />

um malandro, se não... né? Então não é só porque<br />

tá na rua que é um vagabundo, muitas vezes o<br />

cara tá ali por <strong>uma</strong> necessida<strong>de</strong>... 114 .<br />

Tais lições lhe servem para significar a história do Jardim Paraíso,<br />

enquanto um território orgulhosamente conquistado por ele e por outros<br />

<strong>migrante</strong>s trabalhadores.<br />

Quando chegou ao local, em <strong>1980</strong>, o bairro situava-se num “espaço<br />

entre dois” 115 . Ocorre que no âmbito político-administrativo pertencia<br />

a São Francisco do Sul. No entanto a sua ocupação recente, mais do<br />

que qualquer outro bairro, era impulsionada por <strong>migrante</strong>s provenientes<br />

<strong>de</strong> diferentes cida<strong>de</strong>s brasileiras, cujas vivências (empregos, lazeres,<br />

religiosida<strong>de</strong>s etc.) estavam inteiramente ligadas ao espaço urbano <strong>de</strong><br />

<strong>Joinville</strong>. Assim, os moradores enfrentaram dificulda<strong>de</strong>s próximas às <strong>de</strong><br />

pessoas que sobrevivem em limites/fronteiras sob litígio. A omissão dos<br />

governantes, a ausência <strong>de</strong> políticas públicas, os loteamentos imobiliários<br />

(incluindo os irregulares) e as ocupações clan<strong>de</strong>stinas contribuíram para<br />

transformar e representar o lugar n<strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> avesso do progresso.<br />

Nesse processo, também recaiu sobre o bairro a pecha <strong>de</strong> território<br />

perigoso e violento e, por extensão, se tornou fonte estigmatizante <strong>de</strong><br />

seus moradores.<br />

Não é assim que os dois moradores que entrevistei o veem. Como<br />

a Sra. Ana Rosa, o Sr. Rosalino foi um dos primeiros a chegar. Comprou<br />

o terreno (a prestação) e, lentamente, construiu sua casa. A vizinhança<br />

foi chegando: “Eram pessoas <strong>de</strong> toda a parte”. Por um lado, lembra o<br />

entrevistado, “eram pessoas <strong>de</strong> convivência diferente, sem instrução,<br />

num local sem estrutura a<strong>de</strong>quada; não dava outra, era boteco e briga”,<br />

e, por outro lado, “estavam mais ou menos niveladas no meu estilo <strong>de</strong><br />

vida”, por isso não eram só brigas, havia solidarieda<strong>de</strong>s.<br />

Para o entrevistado, os <strong>migrante</strong>s do Paraíso são aqueles que<br />

<strong>de</strong>ixaram tudo para trás e por isso só tinham <strong>uma</strong> alternativa: “Tem<br />

114 SANTOS, Rosalino A. Op. cit.<br />

115 Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> expressão <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Certeau para <strong>de</strong>finir o paradoxo da fronteira. Diz<br />

ele: “Problema teórico e prático da fronteira: a quem pertence a fronteira? O rio, a pare<strong>de</strong> ou a<br />

árvore faz fronteira. Não tem o caráter <strong>de</strong> não-lugar que o traçado cartográfico supõe no limite.<br />

Tem um papel mediador. [...] Pelo simples fato <strong>de</strong> ser a palavra do limite, cria a comunicação<br />

assim como a separação: e muito mais, só põe <strong>uma</strong> margem dizendo aquilo que o atravessa,<br />

vindo da outra margem. Articula. É também <strong>uma</strong> passagem. No relato, a fronteira funciona<br />

como um terceiro. Ela é um entre dois”. CERTEAU, Michel <strong>de</strong>, 1994. Op. cit. p. 213.

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