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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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oportunida<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> moda [...]. Ditadura e perseguição, isso pra mim<br />

nunca passou pela cabeça”. Não conseguiu realizar esse sonho.<br />

Ao lhe perguntar sobre como foi a partida para <strong>Joinville</strong>, o Sr.<br />

Cardoso disse-me: “Eu em 43 anos <strong>de</strong> vida... eu jamais contei para<br />

alguém que eu saí naquele dia assim... porque é tanta coisa que é melhor<br />

tu <strong>de</strong>ixar quieto”. Sua contagiante emoção sugeriu-me, nesse momento<br />

da entrevista, a relação entre memória e (res)sentimento, sobre a qual<br />

o historiador Pierre Ansart afirma po<strong>de</strong>r orientar outro conjunto <strong>de</strong><br />

relações “entre os afetos e o político, entre os sujeitos individuais em<br />

sua afetivida<strong>de</strong> e as práticas sociais e políticas” 102 .<br />

Não querendo lembrar, mas lembrando, o Sr. Cardoso diz: “Dá<br />

um vazio [...], tu per<strong>de</strong> o laço. [...] Todo mundo chegou em <strong>Joinville</strong><br />

um dia, <strong>de</strong>ixou a mãe e o pai lá, frustrados, chorando porque o filho<br />

está... porque ele po<strong>de</strong>ria estar se dando bem aqui”. Completa ainda:<br />

“É a minha história, a história do Brasil, que <strong>de</strong>ixou sua casa para vir<br />

para <strong>uma</strong> cida<strong>de</strong>. Eu não vou ver algo que só está em mim, que eu<br />

sinto que está em mim”.<br />

Os (res)sentimentos <strong>de</strong> perda e <strong>de</strong> solidão que emergem na sua<br />

narrativa <strong>de</strong> memória servem-lhe, pois, para significar e situar a sua própria<br />

experiência <strong>de</strong> migração com a <strong>de</strong> outros, criando imaginariamente um<br />

lugar compartilhado e suportado coletivamente pela dor, compensada<br />

ao mesmo tempo pelo que se conquistou e apren<strong>de</strong>u com a experiência.<br />

Isso me parece ficar explicitado nos juízos que faz sobre os <strong>migrante</strong>s<br />

<strong>de</strong> <strong>Joinville</strong>. Diz ele: “<strong>Joinville</strong> tem isso... as pessoas foram chegando<br />

e foram crescendo, foram conquistando e foram <strong>de</strong>ixando sempre <strong>uma</strong><br />

porta para quem estava chegando”. Os <strong>migrante</strong>s mais antigos “hoje já<br />

têm suas vidas, têm seus carros, sua casa, sua mansão, mas conseguem<br />

olhar e, pô, esse cara aqui, eu era esse cara aqui. Então ele consegue,<br />

ele dá mais abertura”.<br />

A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> Tubarão não foi sua. A mãe teria lhe<br />

comprado a passagem, preparado a mala e lhe comunicado: “Vai... o<br />

Maneco, ele vai te esperar na rodoviária lá em <strong>Joinville</strong>, e aí <strong>de</strong> vez<br />

em quando tu liga, escreve”. Com apoio do irmão mais velho, ele e<br />

mais dois irmãos solteiros compraram um terreno no bairro Parque<br />

<strong>Joinville</strong> e construíram <strong>uma</strong> “meia-água”. Depois <strong>de</strong> um ano na cida<strong>de</strong><br />

conseguiu um emprego.<br />

102 ANSART, Pierre. História e memória do ressentimento. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA,<br />

Márcia. memória e (res)sentimento: indagações sobre <strong>uma</strong> questão sensível. Campinas:<br />

Unicamp, 2001. p. 15-36.

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