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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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Como se vê, pela narrativa do Sr. Gue<strong>de</strong>s é possível apreen<strong>de</strong>r<br />

sinuosida<strong>de</strong>s e novos jogos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r presentes (e entrelaçados) nos<br />

processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação cultural. Dessa perspectiva, refletir sobre os<br />

pertencimentos urbanos não é tarefa fácil. Não se trata <strong>de</strong> estabelecer ou<br />

negar binarismos voltados às explicações sobre diferenças e <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s,<br />

tendo-se como pressuposto teórico o confronto econômico ou social<br />

entre dominadores e dominados. Ao contrário, a inteligibilida<strong>de</strong><br />

histórica sobre a complexida<strong>de</strong> das vivências contemporâneas exige que<br />

se reflita sobre como a diferença se <strong>de</strong>sdobra em conflitos, acordos e<br />

i<strong>de</strong>ntificações múltiplas, praticados e representados pelos sujeitos no<br />

seu cotidiano. Vejamos, pois, como essas reflexões atravessam também<br />

a narrativa <strong>de</strong> um outro Luiz.<br />

O Sr. Cardoso chegou à cida<strong>de</strong> em “1983... 1984”. Passou a<br />

infância “no Guatá”. O pai trabalhava n<strong>uma</strong> mineradora, e a mãe com<br />

os filhos “tocava a terra”. Começou a ouvir conversas. O “pai contava<br />

para minha mãe aquelas histórias <strong>de</strong> que os governos, tanto o estadual<br />

quanto o fe<strong>de</strong>ral, eles não investiam na terra”. Até o dia em que ouviu<br />

a mãe dizer: “Almiro, a cida<strong>de</strong> é aqui perto e nós não temos mais<br />

on<strong>de</strong> crescer, as crianças estão crescendo, eles vão precisar trabalhar<br />

em outro lugar” 100 .<br />

Em 1976 a família mudou para Tubarão. Lembra que foi <strong>de</strong>pois<br />

da gran<strong>de</strong> enchente 101 , “aquela que a cida<strong>de</strong> até hoje não conseguiu se<br />

recuperar”. A cida<strong>de</strong> lhe causava tremores e temores. Tudo lhe parecia<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais e <strong>de</strong>sconhecido. Diz: “porque a cida<strong>de</strong>, ela traz <strong>uma</strong><br />

certa barreira”; “rotina da cida<strong>de</strong> é o que tem que fazer”. Superou a<br />

timi<strong>de</strong>z ao perceber que, embora tivesse perdido a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> “correr<br />

pelo campo”, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r olhar a paisagem da serra, “da beleza daquela<br />

chapada [do Guatá], que só estando lá para ver” e <strong>de</strong> “sentir a brisa<br />

mansa e fria”, teria <strong>de</strong> conquistar outras coisas.<br />

Em Tubarão estudou, praticava esportes e sonhava entrar para o<br />

Exército: “Em 1960 ainda tinha ditadura, acho que o Exército queria<br />

mais é pessoas para ficar com eles ao lado. Então eu via assim, a<br />

100 Observa-se aqui o protagonismo da mãe, esposa agricultora e dona <strong>de</strong> casa, no processo<br />

migratório do Sr. Cardoso, o qual contrasta diametralmente com o relatado pela Sra. Ana<br />

Rosa Sennes.<br />

101 Refere-se à gran<strong>de</strong> enchente <strong>de</strong> 1974, que <strong>de</strong>ixou cerca <strong>de</strong> 85% da população <strong>de</strong> Tubarão<br />

<strong>de</strong>sabrigada e 199 mortos. Em vários momentos <strong>de</strong> sua narrativa, a enchente é citada como<br />

um fato histórico central e <strong>de</strong>marcador. As comparações, por oposição, que estabelece entre<br />

Tubarão e <strong>Joinville</strong> são um exemplo disso. Disponível em: . Acesso em: 1.º mar. <strong>2010</strong>.

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