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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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moravam havia um ano em <strong>Joinville</strong>. Durante sua estada, acompanhou<br />

Renato a <strong>uma</strong> escola do centro para entregar o currículo <strong>de</strong>le. Qual não<br />

foi a sua surpresa quando o coor<strong>de</strong>nador pedagógico lhe indagou se<br />

também não estava interessada em dar aula. O “casamento não estava<br />

indo bem” e havia o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sair <strong>de</strong> Campinas. Por isso, diz ela, “ter<br />

vindo para cá foi <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> se separar e ficar bem financeiramente”.<br />

Os amigos lhe <strong>de</strong>ram o apoio que podiam. Com o filho 71 , recomeçou<br />

a vida. Conheceu muitos outros <strong>migrante</strong>s.<br />

Os joinvilenses, diz ela, “eram muito fechados”. Amiza<strong>de</strong> entre<br />

<strong>uma</strong> família <strong>de</strong> <strong>migrante</strong> com <strong>uma</strong> joinvilense, “só se arr<strong>uma</strong>sse um<br />

namorado, <strong>uma</strong> namorada ou alg<strong>uma</strong> coisa assim”, pois tinha a nítida<br />

impressão <strong>de</strong> que os joinvilenses impunham cotidianamente <strong>uma</strong><br />

distância: “Eu acho que era bem claro que era assim, ‘você não faz<br />

parte da nossa cultura; você não come o que a gente come, não sabe<br />

nem o que é um chineque 72 . Quer participar do nosso grupo <strong>de</strong> que<br />

jeito?’”.<br />

Além disso, havia a indagação recorrente sobre o seu sobrenome<br />

e origem étnica. O comércio fechava na hora do almoço e aos domingos,<br />

“se você <strong>de</strong>itasse no meio da rua <strong>de</strong> manhã, à tar<strong>de</strong> você ainda não tinha<br />

sido atropelada”. Lembra que fechava os olhos e “imaginava um rolo <strong>de</strong><br />

feno passando... tamanho era o <strong>de</strong>serto”. Em pouco tempo, “adaptou-se<br />

aos horários e clima” da cida<strong>de</strong>. Alguns <strong>de</strong>slizes comportamentais foram<br />

inevitáveis até que pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>codificar alg<strong>uma</strong>s práticas cotidianas.<br />

Diz:<br />

Alguns “foras” do tipo falar <strong>de</strong>mais, conversar<br />

<strong>de</strong>mais, ir à casa das pessoas e ficar um pouco<br />

além do horário... porque até enten<strong>de</strong>r que eles<br />

tinham essa rigi<strong>de</strong>z... “eu te convi<strong>de</strong>i para tomar<br />

café, você toma café e vai embora”... porque, lá em<br />

São Paulo, você vai para tomar café, toma café,<br />

emenda a janta e sai da casa às três da manhã 73 .<br />

Nas horas <strong>de</strong> lazer, a música teria servido, nos primeiros tempos,<br />

como <strong>uma</strong> espécie <strong>de</strong> cognato para estabelecer <strong>uma</strong> nova parentela. Com<br />

os amigos <strong>migrante</strong>s, o divertimento preferido consistia em encontros na<br />

71 Rafael Migliorini Puzzilli, nascido em 24 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1989.<br />

72 Espécie <strong>de</strong> pão doce muito apreciado na região.<br />

73 MATTOS, Maria Raquel Migliorini <strong>de</strong>. Op. cit.

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