Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)
Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)
Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)
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estratégias, reinventam e questionam cotidianamente o projeto mo<strong>de</strong>rno<br />
<strong>de</strong> cida<strong>de</strong> 254 . Vejamos as razões dos meus argumentos mediante a análise<br />
<strong>de</strong> sua escrita histórica.<br />
Se for possível estabelecer <strong>uma</strong> diferença <strong>de</strong> abordagem, para além<br />
do período estudado, entre o trabalho <strong>de</strong> Gruner e o que empreendo,<br />
penso que o foco inci<strong>de</strong> sobre as fontes adotadas que, por sua vez,<br />
nos levam a interpretações ora próximas ora distantes sobre a cida<strong>de</strong><br />
enquanto “lugar on<strong>de</strong> as coisas acontecem” 255 , enquanto “um problema<br />
e um objeto <strong>de</strong> reflexão, a partir das representações sociais que produz<br />
e que se objetivam em práticas sociais” 256 , e, por fim, enquanto fonte<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> pertencimento social.<br />
Historiador e jornalista, o joinvilense Clóvis Gruner olha como<br />
estrangeiro a cida<strong>de</strong> que, mesmo tendo nela nascido e vivido, lhe parece<br />
pouco familiar, dada a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus questionamentos. Com <strong>uma</strong><br />
escrita <strong>de</strong>nsa e envolvente, dialoga criticamente com a historiografia<br />
joinvilense, consi<strong>de</strong>rando-a como um conjunto <strong>de</strong> construções<br />
discursivas historicamente criadas e legitimadas e, por isso, um conjunto<br />
<strong>de</strong> interpretações a serem interpretadas.<br />
No prefácio, a historiadora Margareth Rago <strong>de</strong>staca que a obra<br />
<strong>de</strong> Gruner inaugurava <strong>uma</strong> nova maneira <strong>de</strong> pensar o passado e <strong>de</strong><br />
problematizar o presente <strong>de</strong> <strong>Joinville</strong>. Anuncia ainda que Gruner<br />
optava por partir da perspectiva dos excluídos para conhecer a cida<strong>de</strong><br />
254 Apoio-me aqui na reflexão <strong>de</strong> Luce Giard sobre o pensamento <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Certeau. Diz ela<br />
que Certeau acredita na “liberda<strong>de</strong> gazeteira das práticas”; enfatiza a “cultura comum cotidiana<br />
enquanto apropriação (ou reapropriação)” e o consumo ou recepção como “<strong>uma</strong> maneira <strong>de</strong><br />
praticar”. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o historiador estudar as “práticas cotidianas” como ruídos das<br />
“maneiras <strong>de</strong> fazer” que, mesmo majoritárias na vida social, não aparecem muitas vezes senão<br />
a título <strong>de</strong> “resistências” ou <strong>de</strong> inércias em relação ao <strong>de</strong>senvolvimento da produção “sóciocultural”.<br />
Aponta que Certeau estabelece <strong>uma</strong> “antiafinida<strong>de</strong> eletiva” em relação a Foucault,<br />
com base n<strong>uma</strong> “confiança <strong>de</strong>positada no outro, <strong>de</strong> sorte que nenh<strong>uma</strong> situação lhe parece a<br />
priori fixa ou <strong>de</strong>sesperadora”. Mais ainda, para Certeau, “sob a realida<strong>de</strong> maciça dos po<strong>de</strong>res<br />
e das instituições e sem alimentar ilusões quanto a seu funcionamento”, é necessário discernir<br />
um movimento <strong>de</strong> “micro-resistências” que institui “microliberda<strong>de</strong>s” a partir da mobilização<br />
<strong>de</strong> “recursos insuspeitos” que, por sua vez, “<strong>de</strong>slocam as fronteiras verda<strong>de</strong>iras da dominação<br />
dos po<strong>de</strong>res sobre a multidão anônima”. Ou seja, sob a “confiança posta na inteligência e na<br />
inventivida<strong>de</strong> do mais fraco, na atenção extrema à sua mobilida<strong>de</strong> tática, no respeito dado ao<br />
fraco, sem eira nem beira, móvel por ser assim <strong>de</strong>sarmado em face das estratégias do forte,<br />
[...], se esboça <strong>uma</strong> concepção política do agir e das relações não igualitárias entre um po<strong>de</strong>r<br />
qualquer e seus súditos”. GIARD, Luce. Introdução. In: CERTEAU, Michel <strong>de</strong>; GIARD, Luce;<br />
MAYOL, Pierre. a invenção do cotidiano: morar, cozinhar. 5. ed. Tradução <strong>de</strong> Ephraim<br />
Ferreira Alves e Lúcia Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 16-20.<br />
255 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit. p. 12.<br />
256 Id. Ibid.