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Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

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as inteligências nem as idéias são <strong>de</strong>sencarnadas” 9 . Na perspectiva da<br />

história, um discurso <strong>de</strong>ve, então, ser concebido não como testemunho<br />

<strong>de</strong> <strong>uma</strong> realida<strong>de</strong>, mas como <strong>uma</strong> representação – nem única, nem<br />

universal – que envolve o contexto e os interesses que permeiam a<br />

produção dos seus sentidos.<br />

Por um lado, no mundo do texto, a relação estabelecida com o<br />

real é edificada com base em mo<strong>de</strong>los e recortes intelectuais adotados<br />

pelos próprios escritores em cada situação <strong>de</strong> escritura. Por outro lado,<br />

avistados nas suas estratégias, os discursos, mesmo nas suas sinuosida<strong>de</strong>s,<br />

não abarcariam <strong>de</strong> modo pleno a forma e o conteúdo das representações<br />

e das práticas culturais relativas ao <strong>de</strong>stinatário (imaginado pelo autor),<br />

aos leitores ou aos usuários. Isso porque a leitura é <strong>uma</strong> apropriação que<br />

não se confun<strong>de</strong> com a assimilação passiva <strong>de</strong> literalida<strong>de</strong>s. Se assim<br />

fosse teria <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que um texto, qualquer que seja, é dotado <strong>de</strong><br />

significados apriorísticos. Defendo a i<strong>de</strong>ia, abstraída <strong>de</strong> Chartier, <strong>de</strong><br />

que a leitura é <strong>uma</strong> apropriação e como tal todo leitor se torna <strong>uma</strong><br />

espécie <strong>de</strong> coautor do texto.<br />

Quais seriam os caminhos metodológicos a serem trilhados para<br />

analisar os discursos e, a partir <strong>de</strong>les, produzir <strong>uma</strong> escrita histórica?<br />

Primeiramente, penso ser preciso não per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a aproximação<br />

teórica que procuro sustentar entre o historiador Roger Chartier e a<br />

linguista Eni Orlandi. Isto é, um discurso é carregado <strong>de</strong> gestos e <strong>de</strong>sejos<br />

<strong>de</strong> significação; um autor escreve seu discurso a partir <strong>de</strong> um lugar e<br />

momento, e isso envolve as regras ligadas ao gênero <strong>de</strong> escrita que adota<br />

e que, <strong>de</strong> certa maneira, o constrange. O conteúdo do discurso diz respeito<br />

não apenas ao lugar/momento do autor, mas à socieda<strong>de</strong> que atravessa,<br />

circula e inva<strong>de</strong> seus dizeres, mesmo que o autor não se dê conta disso.<br />

Como sintetiza Chartier, a escrita “é ela própria leitura <strong>de</strong> <strong>uma</strong> outra<br />

escrita” e “o que é real, <strong>de</strong> fato, não é somente a realida<strong>de</strong> visada pelo<br />

texto, mas a própria maneira como ele a visa, na historicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua<br />

produção e na estratégia <strong>de</strong> sua escritura” 10 .<br />

Num segundo momento, como produção <strong>de</strong> um lugar e <strong>de</strong><br />

um tempo, o discurso <strong>de</strong>ixa entrever a intencionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesses<br />

<strong>de</strong> quem o enuncia. Porém, por estar aberto a leituras múltiplas, não<br />

possui significações dadas por si mesmo, mas das leituras que também<br />

o constroem, e nisso se inclui a leitura do próprio historiador. Dessa<br />

perspectiva, ganha importância a reflexão <strong>de</strong> Michel <strong>de</strong> Certeau acerca<br />

9 CHARTIER, Roger, 2002. Op. cit. p. 68.<br />

10 Id. Ibid. p. 56.

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