08.05.2013 Views

Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

143<br />

A festa, porém, envolve também o trabalho <strong>de</strong> familiares e<br />

conhecidos que são escalados pelo GDMR Cristo Rei. Nos últimos<br />

tempos, o grupo passou a contratar pessoas do bairro para trabalharem<br />

como ajudantes <strong>de</strong> cozinha, segurança e churrasqueiro.<br />

Ao tentar buscar informações sobre as componentes do grupo,<br />

a conversa suscitou maior entusiasmo. Cada <strong>uma</strong> das participantes<br />

procurou narrar a história do bairro, invocando lembranças da<br />

infância e da juventu<strong>de</strong>. A maioria migrou para <strong>Joinville</strong> na década<br />

<strong>de</strong> 1950 acompanhando os pais. Embora nos primeiros tempos<br />

sobrevivessem do cultivo <strong>de</strong> arroz, alg<strong>uma</strong>s informaram que seus<br />

maridos foram trabalhar nas indústrias da cida<strong>de</strong>, e a maior parte<br />

dos filhos edificou suas vidas longe dos arrozais.<br />

Havia, conforme as memórias invocadas, <strong>uma</strong> divisão bastante<br />

acentuada entre os <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> alemães e italianos e também<br />

entre católicos e protestantes. A regra <strong>de</strong> tal divisão era cumprida à<br />

risca, <strong>de</strong> modo que, mesmo se alg<strong>uma</strong> moça ou rapaz se apaixonasse<br />

por um rival étnico ou religioso, o casamento não saía. Os conflitos<br />

mais acirrados surgiam na escola. Contou-nos <strong>uma</strong> entrevistada: “A<br />

gente era tudo criança. Aí eles falavam em alemão e nós em italiano.<br />

Aí eles brigavam porque não entendiam”.<br />

O relato sobre a história do “pedaço” trazia fissuras que<br />

pareciam <strong>de</strong>spedaçá-lo. Mas um “pedaço” é assim, feito por re<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

solidarieda<strong>de</strong>s e conflitos. Tanto que, ao perguntar sobre a vitalida<strong>de</strong><br />

da rivalida<strong>de</strong> étnica e religiosa, alg<strong>uma</strong>s das entrevistadas afirmaram<br />

que ela não mais existe, e prova disso é que alguns alemães participam<br />

da festa. Reomil<strong>de</strong> Lucar<strong>de</strong>lli, <strong>uma</strong> <strong>migrante</strong> <strong>de</strong> Chapecó, discordou e<br />

fez questão <strong>de</strong> ilustrar os conflitos e preconceitos que experimentou<br />

quando se estabeleceu no bairro. Disse-nos:<br />

Eu já ouvi o pessoal falando assim... tipo assim...<br />

<strong>uma</strong> vez disseram que eu era negra, então o<br />

pessoal daqui não queria me aceitar e que era<br />

para eu cair fora. Então eu disse não! Negativo!<br />

Eu tenho que me aceitar aon<strong>de</strong> eu tiver... não é,<br />

professora? E outra: eu não sou negra! Eu sou<br />

italiana! [...] Queriam dizer pra mim, talvez, que<br />

eu não era bem-vinda aqui 282 .<br />

282 GRUPO DE DESENVOLVIMENTO DA MULHER RURAL CRISTO REI, 2008. Op.<br />

cit.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!