Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)
Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)
Pelas tramas de uma cidade migrante (Joinville, 1980-2010)
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
120<br />
milhares vindos <strong>de</strong> outras regiões ou mesmo do exterior, atraídos pela<br />
pujança econômica <strong>de</strong>ste que é atualmente o maior centro industrial do<br />
Estado <strong>de</strong> Santa Catarina” 224 .<br />
A “Manchester Catarinense” (epíteto por várias vezes lembrado<br />
no livro) também era apresentada como palco <strong>de</strong> importantes festas e<br />
comemorações. Justificando que as raízes dos vários povos que aportaram<br />
em <strong>Joinville</strong> eram reavivadas anualmente por um calendário <strong>de</strong> festas<br />
temáticas, lá estavam relacionadas com um pequeno resumo a Festa das<br />
Flores, a Festa da Solidarieda<strong>de</strong>, o Festival <strong>de</strong> Dança, a Vinvêneto e a Festa<br />
Nacional e Internacional da Cerveja – Fenachopp.<br />
A retórica enciclopédica sugeriu-me novas problematizações. Em<br />
primeiro lugar, a história, a diversida<strong>de</strong> étnica e as festivida<strong>de</strong>s constituíamse,<br />
no conjunto da obra, como citações voltadas à intensificação do turismo.<br />
Levando isso em conta, quais mudanças projetavam a cida<strong>de</strong> para um<br />
novo perfil, sobrepondo à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “indústria e trabalho” <strong>uma</strong> cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
“lazer e turismo”?<br />
Em segundo lugar, ironicamente no mesmo ano em que era lançada<br />
a enciclopédia, 2004, a Fenachopp não ocorreria, sob justificativa <strong>de</strong> que ao<br />
optar pelo ecletismo <strong>de</strong> estilos musicais e artísticos a festa teria <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong><br />
ser <strong>uma</strong> manifestação “autêntica” da germanida<strong>de</strong> 225 . O que teria ofuscado a<br />
percepção dos autores da enciclopédia ao incluir, em meio à evi<strong>de</strong>nte crise, a<br />
Fenachopp como “festa típica germânica, como as que ocorrem na Bavária,<br />
e se esten<strong>de</strong> por cerca <strong>de</strong> duas semanas, nos pavilhões da Expoville, sempre<br />
com gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> visitantes”? Obviamente, penso não se tratar <strong>de</strong><br />
miopia autoral. O que me instiga é enten<strong>de</strong>r os sentidos sobre os vínculos<br />
que o po<strong>de</strong>r público estabelece com a cultura, caracterizando-a pela fixi<strong>de</strong>z<br />
territorial urbana. A afirmação e a <strong>de</strong>finição enciclopédica da Fenachopp<br />
não po<strong>de</strong>riam ser um indício a ser <strong>de</strong>svendado, indício esse revelador <strong>de</strong><br />
um silenciamento <strong>de</strong> práticas e gostos um tanto híbridos e <strong>uma</strong> recusa aos<br />
diferentes processos <strong>de</strong> pertencimentos 226 que passaram a atravessar a festa?<br />
224 GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Op. cit. p. 16.<br />
225 Conforme manifestou um colunista do jornal A Notícia saudando a Festa das Tradições:<br />
“Espero que <strong>de</strong>sta vez não se cometa o pecado <strong>de</strong> <strong>de</strong>svirtuar <strong>uma</strong> festa <strong>de</strong> costumes e tradições,<br />
na qual se apresentam, por exemplo, grupos <strong>de</strong> pago<strong>de</strong> ou música eletrônica. O que <strong>de</strong>tonou<br />
a maioria das festas <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> Santa Catarina foi partir para os modismos e consumo,<br />
tentando trazer um público que pouco se importa com a tradição”. A FESTA. a notícia,<br />
<strong>Joinville</strong>, p. 20, 4 maio 2005.<br />
226 Refiro-me não às apropriações urbanas advindas dos <strong>migrante</strong>s, mas às apropriações<br />
emergentes das sociabilida<strong>de</strong>s que envolvem os relacionamentos e os <strong>de</strong>slocamentos entre<br />
os que ora representam e são representados joinvilenses com os que ora representam e são<br />
representados <strong>migrante</strong>s. Tal i<strong>de</strong>ia será aprofundada no Capítulo III, quando trato, por meio<br />
<strong>de</strong> narrativas orais, dos processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e apropriação do urbano.