As Dimensões Constitutivas do Espaço Público - Cebrap
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<strong>As</strong> <strong>Dimensões</strong> <strong>Constitutivas</strong> <strong>do</strong> <strong>Espaço</strong> <strong>Público</strong><br />
Uma abordagem pré-teórica par lidar com a teoria<br />
RESUMO<br />
Adrián Gurza Lavalle 0<br />
A despeito de o 5público” ser uma das categorias das ciências<br />
sociais e da filosofia política mais utilizadas nas duas últimas<br />
décadas, sua definição é tarefa complexa que enfrenta diversas<br />
dificuldades. A diversidade de campos semânticos e problemas<br />
disciplinares perpassa<strong>do</strong>s por ela, bem como a ambigüidade inerente<br />
a suas diferentes expressões conceituais I espaço público, esfera<br />
pública, vida pública, publicidade I, tornam especialmente difícil<br />
a apreensão <strong>do</strong>s componentes fundamentais que conferem identidades<br />
aos seus múltiplos senti<strong>do</strong>s. O artigo apresenta um mapa das<br />
dimensões constitutivas da configuração <strong>do</strong> espaço público no mun<strong>do</strong><br />
moderno a partir de sistematização exaustiva <strong>do</strong>s usos e mudanças<br />
semânticas <strong>do</strong> vocábulo 5público”, no castelhano, ao longo de seis<br />
séculos (MIV-MM). Os ganhos cognitivos deriva<strong>do</strong>s de tal análise,<br />
própria da filosofia da linguagem, permitirão revelar não apenas<br />
essas dimensões, mas tendências históricas de longa duração na<br />
transformação <strong>do</strong> espaço público. Graças a essa abordagem, o artigo<br />
oferece uma plataforma pré-teórica, quer dizer, com um peso mínimo<br />
de pressupostos conceituais, para lidar com as diversas teorias<br />
existentes <strong>do</strong> espaço público.<br />
Palavras chave: 5público”, 5espaço público”, 5vida pública”<br />
análise lingüística.<br />
ABSTRACT<br />
In spite of 5Public” be one of the most used categories in<br />
the Social Sciences and Political Philosophy for the last two<br />
decades, to trace its definition is not an easy task. The<br />
diversity of semantic fields and disciplinary problems, as well as<br />
the ambiguity inherent to its different conceptual expressions –<br />
public space, public sphere, public life, publicity – have made<br />
particularly hard the perception of the fundamental components<br />
that bound together its multiple meanings. The article draws a map<br />
of three basic dimensions underpinning the configuration of the<br />
public space in the modern world. The map is outlined through an<br />
exhaustive systematization on the uses and semantic changes of the<br />
word 5public” in Spanish across six centuries (MIV-MM). The<br />
* Professor <strong>do</strong> Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica de São<br />
Paulo ! PUC-SP; Pesquisa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Centro Brasileiro de Análise e Planejamento !<br />
CEBRAP.
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 2<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
cognitive benefits of this analysis, typical of ordinary language<br />
philosophy, will reveal not only those three dimensions but also<br />
long term historic tendencies in the transformation of the public<br />
space. Due to the analytical vantages of this linguistic approach,<br />
the article offers a pre-theorical plataform, i.e. with minimal<br />
conceptual assumptions, for dealing with the diversity of theories<br />
of the public space.<br />
cey words: 5public”, 5public space”, 5public life”,<br />
5linguistic analysis”<br />
1. Introdução<br />
5Não dar novos nomes às coisas velhas nem dar nomes velhos às<br />
coisas novas.” Com essa idéia surpreendente, porque singela e<br />
profunda, Gaston Bachelard gostava de definir o desafio das<br />
ciências humanas. Contu<strong>do</strong>, em se tratan<strong>do</strong> de certos 5objetos<br />
difusos”, é difícil que as mais robustas intenções <strong>do</strong> observa<strong>do</strong>r<br />
não empalideçam a especificidade daquilo que motiva seu ofício de<br />
interrogar. Há nomes velhos indispensáveis, a despeito da<br />
ambigüidade deixada neles por longa história de alargamentos de<br />
seus senti<strong>do</strong>s originais ! talvez apenas acessíveis mediante<br />
esmera<strong>do</strong> esforço de reconstrução filológica ou de 5arqueologia”<br />
conceitual. 1 Esse é o caso da diversidade de campos semânticos e<br />
problemas disciplinares perpassa<strong>do</strong>s pela categoria 5público”, cujo<br />
estabelecimento textual definitivo chegara ao pensamento cristão<br />
ocidental cristaliza<strong>do</strong> no corpus iuris da Antigüidade clássica.<br />
Parece óbvio que a configuração histórica <strong>do</strong> público e de sua<br />
contrapartida, o priva<strong>do</strong>, difere de forma considerável na Grécia e<br />
em Roma antigas com respeito a suas características modernas;<br />
todavia, a configuração da antigüidade clássica fora estilizada e<br />
preservada no lega<strong>do</strong> da filosofia moderna e contemporânea enquanto<br />
modelo canhnico das feições desejáveis e 5autênticas” da política<br />
1 Não é fortuito, diga-se de passagem, que o trabalho de Jürgen Habermas sobre as<br />
transformações estruturais da publicidade burguesa tenha si<strong>do</strong> intitula<strong>do</strong>, na<br />
tradução francesa: L’espace public: Archéologie de la publicité comme dimension<br />
constitutive de la société bourgeoise.<br />
2
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 3<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
e <strong>do</strong> espaço públicos ! da idhnea conciliação entre o priva<strong>do</strong> e o<br />
público !, e ainda continua a orientar a reflexão de autores<br />
contemporâneos de envergadura, como atesta<strong>do</strong> com extraordinária<br />
nitidez pelo pensamento normativo de Hannah Arendt. 2 Modelos<br />
genéticos não normativos sobre a configuração histórica <strong>do</strong> espaço<br />
público no mun<strong>do</strong> moderno evitam, por definição, a transposição de<br />
elementos helênicos ou latinos na sua caracterização; porém,<br />
inexistem consensos substantivos quanto aos traços mais relevantes<br />
dessa dimensão constitutiva das sociedades modernas ! o público !<br />
e às suas tendências evolutivas no longo prazo. k<br />
Amplo conjunto de fenhmenos associa<strong>do</strong>s à chamada<br />
globalização, às políticas de ajuste estrutural pro-merca<strong>do</strong><br />
implantadas pelo mun<strong>do</strong> fora no último quartel <strong>do</strong> século MM e,<br />
sobretu<strong>do</strong>, aos seus efeitos sobre o espaço urbano e sobre os<br />
padrões de intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, tem suscita<strong>do</strong> enorme atenção em<br />
torno <strong>do</strong> público ! das implicações da profunda reconfiguração<br />
histórica em curso. Entrementes, as dificuldades da sua definição<br />
conceitual persistem, mesmo a despeito de a literatura voltada<br />
para a análise das transformações recentes ter cresci<strong>do</strong><br />
vertiginosamente, informan<strong>do</strong> com competência a nossa compreensão<br />
<strong>do</strong>s múltiplos deslocamentos ocorri<strong>do</strong>s na linha divisória entre o<br />
público e o priva<strong>do</strong>.<br />
Para além <strong>do</strong>s desafios inerentes a to<strong>do</strong> esforço de precisão<br />
conceitual de grandes categorias, <strong>do</strong>is ordens de fatores incidem<br />
2 O afama<strong>do</strong> diagnóstico da filósofa acerca <strong>do</strong> papel <strong>do</strong>s interesses materiais como<br />
fulcro da política no mun<strong>do</strong> moderno, emperran<strong>do</strong> qualquer possibilidade de<br />
construção republicana <strong>do</strong> espaço público como dimensão da vida social onde<br />
efetivamente é elabora<strong>do</strong> o bem comum, fundamenta-se em modelo normativo de ambos<br />
! da política e <strong>do</strong> espaço público. Tal modelo provém de uma reconstrução erudita<br />
e estilizada da polis grega e da república romana . Trata-se, é claro, <strong>do</strong><br />
diagnóstico desenvolvi<strong>do</strong> no seu influente trabalho: A condição humana (19m8:<br />
especialmente k7-82).<br />
3 Entende-se por modelos genéticos não normativos <strong>do</strong> espaço público os esforços<br />
analíticos dedica<strong>do</strong>s à reconstrução da gênese e <strong>do</strong> espaço público moderno qua<br />
produto da modernidade, quer dizer, <strong>do</strong> alastramento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, da<br />
metropolização, da ilustração e suas instituições sociais, da emergência <strong>do</strong><br />
individualismo e de uma subjetividade ancorada na moral, <strong>do</strong> nascimento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong><br />
editorial e da inerente aparição de um público de leitores, bem como da expansão<br />
da família nuclear burguesa, para mencionar apenas alguns <strong>do</strong>s fatores examina<strong>do</strong>s<br />
em obras seminais como as de Reinhart coselleck (19m9), Jürgen Habermas (1962),<br />
Richard Sennett (1977).<br />
3
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 4<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
decisivamente para tornar especialmente difícil a apreensão <strong>do</strong>s<br />
diversos conteú<strong>do</strong>s engloba<strong>do</strong>s pela categoria 5público”. Tais<br />
dificuldades não apenas inibem a interlocução no terreno da<br />
literatura especializada, mas, por certo, tornam indigesto o<br />
esforço de definição para aqueles que iniciam suas reflexões nesta<br />
área ou que mantêm com ela um contato colateral, anima<strong>do</strong> pelos<br />
seus próprios objetos de pesquisa. Primeiro, a rigor não existe um<br />
campo da teoria <strong>do</strong> espaço público, pelo menos não no senti<strong>do</strong> em<br />
que é possível se falar, por exemplo, <strong>do</strong> campo da teoria<br />
democrática ou das teorias <strong>do</strong> desenvolvimento. No caso de campos<br />
teóricos densamente constituí<strong>do</strong>s, eventuais vieses ou custos<br />
cognitivos decorrentes de se adentrar neles mediante um autor ou<br />
abordagem específicos são corrigi<strong>do</strong>s pela multi-referencialidade<br />
<strong>do</strong> debate, que remete o leitor leigo ou não especializa<strong>do</strong> às<br />
diversas posturas empenhadas na disputa <strong>do</strong> próprio campo. 4 Contu<strong>do</strong>,<br />
no caso das teorias <strong>do</strong> espaço público, os patamares de<br />
interlocução costumam ser tão restritos que fazem com que outras<br />
posturas e constelações completas de problemas sejam ignoradas ou<br />
permaneçam ocultas.<br />
Segun<strong>do</strong>, à amplidão e anfibologia da categoria 5público” é<br />
preciso acrescer os efeitos de desorientação acarreta<strong>do</strong>s por uma<br />
variegada terminologia de uso corrente, não raro empregada como se<br />
delimitasse fenhmenos distintos: esfera pública, vida pública,<br />
espaço público, público, e publicidade ! para mencionar apenas os<br />
termos mais utiliza<strong>do</strong>s. m Trata-se, não raro, de ambigüidade gerada<br />
não por complexas questões analíticas, mas pelas opções de<br />
tradução privilegiadas em diversos contextos para traduzir uma<br />
categoria da ilustração alemã: Öffentlichkeit, isto é,<br />
4 Utiliza-se a idéia de campo lato sensu, mas em clara sintonia com a sociologia<br />
de Pierre Bourdieu (campus), isto é, como estrutura intra-referencial organizada<br />
em torno da disputa de alguma modalidade de capital simbólico (Bourdieu, 1984:<br />
1km-142)<br />
5 Por exemplo, no francês a opção privilegiada costuma ser 5espaço público”,<br />
enquanto no inglês estabilizou-se o termo esfera pública. No português e no<br />
castelhano as opções de tradução dependem em boa medida da inserção <strong>do</strong>s<br />
tradutores ou editores nos circuitos acadêmicos anglo-saxhnico ou galo.<br />
4
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lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
publicidade, se vertida ao português conforme seu senti<strong>do</strong> literal. 6<br />
Não é o intuito aqui examinar as vantagens ou 5ruí<strong>do</strong>s” associa<strong>do</strong>s<br />
a cada umas dessas opções, pois a proposta de abordagem a ser<br />
desenvolvida permite contornar essa tarefa; apenas cumpre<br />
explicitar que nestas páginas serão utiliza<strong>do</strong>s os termos 5público”<br />
e 5espaço público” praticamente como sinhnimos, reservan<strong>do</strong> para o<br />
primeiro conotações mais abstratas e gerais, e para o segun<strong>do</strong><br />
especificações históricas ou contextuais <strong>do</strong>s componentes mais<br />
abstratos. 7<br />
Como, então, lidar com a compreensão de uma categoria<br />
conceitualmente densa equacionan<strong>do</strong> as dificuldades levantadas? Por<br />
outras palavras, como entrar em contato com modelos genéticos da<br />
configuração <strong>do</strong> espaço público no mun<strong>do</strong> moderno com ciência clara<br />
daquilo que tais construtos teóricos excluem ou ocultam, isto é,<br />
de seus efeitos modelares sobre a nossa compreensão <strong>do</strong> público?<br />
Trata-se, para dizê-lo em termos aparentemente para<strong>do</strong>xais, de<br />
desenvolver uma abordagem pré-teórica para abrir um horizonte<br />
cognitivo que permita lidar com a teoria. O papel das abordagens<br />
pré-teóricas tem si<strong>do</strong> explora<strong>do</strong> e defendi<strong>do</strong> na epistemologia<br />
contemporânea como expediente eficaz tanto na produção de<br />
conhecimento novo quanto na ampliação das fronteiras <strong>do</strong>s fenhmenos<br />
e explicações contempla<strong>do</strong>s pelas teorias. 8<br />
A fala e os usos corriqueiros ou cotidianos de determinadas<br />
categorias constituem fonte rica de indícios para precisar o<br />
núcleo <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s mais dura<strong>do</strong>uros dessas categorias, bem como as<br />
6 A opção 5publicidade” é usualmente evitada devi<strong>do</strong> a resemantização desse<br />
vocábulo ao longo <strong>do</strong> século MM, graças à qual perdeu o senti<strong>do</strong> mais geral de<br />
5estatuto das coisas públicas” ! a forma como se produz seu caráter público e o<br />
significa<strong>do</strong> desse caráter ! , restringin<strong>do</strong> seu campo de significa<strong>do</strong>s ao apelo<br />
comercial (Domsnech 1981: 22).<br />
7 Análise detalhada <strong>do</strong>s mal-entendi<strong>do</strong>s gera<strong>do</strong>s por opções de tradução<br />
insuficientemente acuradas em relação à categoria tffentlichkeit foi desenvolvida<br />
alhures (Gurza Lavalle 2uu4).<br />
8 A epistemologia de Hugo vemelman, preocupada coma apreensão <strong>do</strong> novo e com a<br />
reformulação crítica da teoria tem desenvolvi<strong>do</strong> amplamente os efeitos de ruptura<br />
epistemológica produzi<strong>do</strong>s por abordagens pre-teóricas (ver vemelman, 1987: mk-8m;<br />
199k: 18k-19m; Valencia e Flores, 1987: 148 e ss.). De outras perspectivas<br />
analíticas, as potencialidades heurísticas de indagações pre-teóricas, que adiam<br />
a tentação de explicar fenhmenos conforme cânones conceituais estabeleci<strong>do</strong>s,<br />
5
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conexões internas que ordenam suas diversas acepções lhes<br />
conferi<strong>do</strong> sua identidade. Esse recurso de caráter fenomenológico,<br />
por sinal largamente incorpora<strong>do</strong> pela filosofia da linguagem, será<br />
aqui emprega<strong>do</strong> para analisar os significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> substantivo<br />
5público”. 9 Com maior precisão, nas páginas que se seguem serão<br />
apresenta<strong>do</strong>s os resulta<strong>do</strong>s de uma sistematização exaustiva <strong>do</strong>s<br />
usos de tal substantivo no castelhano, bem como suas mudanças ao<br />
longo de sete séculos (MIV-MM). 1u<br />
Os ganhos cognitivos deriva<strong>do</strong>s de tal opção permitirão<br />
revelar não apenas diferentes dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço<br />
público no mun<strong>do</strong> moderno, mas tendências históricas de longa<br />
duração que subjazem à preponderância histórica secular adquirida<br />
por uma ou outra dimensão. No plano heurístico, as diferentes<br />
redes ou constelações de senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> público admitem tradução<br />
coerente para a linguagem teórica da sociologia, da filosofia e<br />
sociologia políticas, e da comunicação política. O novo patamar de<br />
abstração assim conquista<strong>do</strong> ! graças ao 5rodeio” pré-teórico, cabe<br />
frisar !, constitui uma plataforma para lidar com os modelos<br />
genéticos da configuração <strong>do</strong> espaço público e outras teorizações<br />
<strong>do</strong> público como esforços ou leituras centradas em alguma(s) das<br />
dimensões trazidas à tona pela análise lingüística. Por esse<br />
caminho, efeitos de exclusão inerentes à estilização teórica e às<br />
suas exigências de coerência e unicidade internas tornam-se<br />
palpáveis.<br />
Porém, a realização cuida<strong>do</strong>sa de todas as operações recém-<br />
descritas é trabalho de fhlego que excede os limites deste artigo.<br />
também têm si<strong>do</strong> exploradas por autores como Alfre<strong>do</strong> Gutierrez Gómez (1996) e<br />
Edgar Morin (1994).<br />
9 Do ponto de vista da filosofia da linguagem, conforme aponta Luis Villoro, 5A<br />
filosofia tem consisti<strong>do</strong> sempre no exame <strong>do</strong>s conceitos a partir <strong>do</strong>s seus<br />
múltiplos usos na linguagem ordinária. y...z Onde é possível iniciar a busca<br />
incessante de clareza e distinções é no riquíssimo mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> pensamento humano<br />
ordinário, quer dizer, tal e como se exprime a linguagem comum. y...z Embora<br />
parta <strong>do</strong>s usos comuns da linguagem, a análise conceitual conduz assim a uma<br />
reforma da linguagem.” (Villoro, 1992: 22-2k). Para um exemplo extremamente bem<br />
sucedi<strong>do</strong>, já clássico até, de filosofia da linguagem no campo da filosofia<br />
política, ver a obra de Hanna Pitkin sobre O conceito de representação (1967).<br />
10 A pesquisa original responsável pelos resulta<strong>do</strong>s aqui apresenta<strong>do</strong>s foi<br />
realizada no marco de uma empreitada analítica maior (Gurza Lavalle, 1998), e,<br />
por isso, permaneceram até agora à espera de sistematização e análise criteriosa.<br />
6
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Aqui serão privilegiadas a análise lingüística e a transposição<br />
<strong>do</strong>s seus resulta<strong>do</strong>s para uma linguagem sociológica mais abstrata.<br />
No que diz respeito às teorizações a aos modelos genéticos <strong>do</strong><br />
espaço público, apenas serão salientadas algumas dificuldades<br />
inerentes a sua análise e introduzi<strong>do</strong>s comentários pontuais<br />
capazes de orientar a leitura e apropriação <strong>do</strong> modelo mais<br />
influente ! aquele desenvolvi<strong>do</strong> pelo filósofo alemão Jürgen<br />
Habermas. Não é o propósito destas páginas, portanto, confrontar<br />
teorias com o intuito de assentar as bases para um 5modelo<br />
enriqueci<strong>do</strong>”, tampouco validar as qualidades ou demonstrar<br />
insuficiências 5insanáveis” de propostas teóricas.; semelhante<br />
tarefa reclamaria outro méto<strong>do</strong> de análise. O objetivo é mais<br />
modesto, a saber, evidenciar a pertinência de se pensar no espaço<br />
público de mo<strong>do</strong> historiza<strong>do</strong> e a partir de abordagem mais flexível,<br />
que permita contemplar diferentes dimensões problemáticas sem a<br />
exigência de reconduzi-las à unidade analítica de um modelo.<br />
2. <strong>As</strong> vozes <strong>do</strong> “público” e <strong>do</strong> “priva<strong>do</strong>”<br />
Não é recurso raro iniciar a especificação conceitual <strong>do</strong><br />
espaço público a partir da ambigüidade de seus significa<strong>do</strong>s<br />
presentes na fala cotidiana, ilustran<strong>do</strong> assim seu caráter complexo<br />
ou multidimensional e os diversos problemas nele envolvi<strong>do</strong>s !<br />
representação de interesses gerais; controle social <strong>do</strong> poder;<br />
acesso irrestrito ou aberto a instâncias, lugares e fluxos;<br />
processos de comunicação socialmente relevantes; determinação<br />
democrática de fins coletivos; criação e expansão de direitos;<br />
institucionalização de benefícios; organização da sociedade por<br />
vias endógenas; para listar apenas alguns <strong>do</strong>s problemas mais<br />
recorrentes na literatura <strong>do</strong>s últimos anos. 11<br />
11 Para abordagens que lançam mão da ambigüidade semântica com o propósito de<br />
problematizar a configuração <strong>do</strong> espaço público, ver os trabalhos de Graciela<br />
Soriano de García-Pelayo (1996: 27-62), Nora Rabotnikof (199m: 1-12) Geoges Duby<br />
(1991: 19 e ss).<br />
7
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lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
A constelação de substantivos e adjetivações associa<strong>do</strong>s ao<br />
campo semântico da categoria em questão é pródiga em usos<br />
lingüísticos contrastantes e até francamente contraditórios: no<br />
castelhano <strong>do</strong> século MVIII, os vocábulos publicana e publique<br />
conotavam a mulher e a casa públicas, a prostituta e o bordel,<br />
enquanto à mesma época as public houses (pubs) <strong>do</strong> inglês remetiam<br />
a lugares de encontro e convivência pública, porta<strong>do</strong>res da<br />
dignidade de uma nascente sociabilidade em público própria das<br />
camadas de pequenos livres proprietários. 12 No latim, público<br />
significava simultaneamente tornar propriedade pública, confiscar,<br />
e deitar a perder ou motivar a ruína de algo. 1k Os exemplos de<br />
senti<strong>do</strong>s conflitantes podem ser multiplica<strong>do</strong>s com extrema<br />
facilidade, particularmente se considerada a miríade de<br />
possibilidades <strong>do</strong> adjetivo 5público”: homem público e mulher<br />
pública, fé pública e clamor público, força pública e opinião<br />
pública, por exemplo, são expressões em que o qualificativo não<br />
reenvia a uma fonte única de significação.<br />
A vantagem desses 5rodeios lingüísticos”, que lançam mão da<br />
polissemia como instância de indagação empírica, é trazer à tona<br />
de forma imediata uma multiplicidade de elementos sem unidade<br />
interna obvia para além <strong>do</strong> plano meramente nominal. Isto levanta<br />
como problema iniludível a própria concreção <strong>do</strong> conceito, ou seja,<br />
a difícil conexão de seus determinantes constitutivos. Por outras<br />
palavras, o estranhamento gera<strong>do</strong> por uma análise interessada em<br />
incorporar a polissemia ! em vez de eliminá-la !, suscita<br />
interrogações acerca <strong>do</strong> núcleo ou fulcro que organiza o senti<strong>do</strong><br />
compartilha<strong>do</strong> pelas acepções de um termo, mesmo se esse senti<strong>do</strong> é<br />
reposto por um processo de diversificação semântica aparentemente<br />
irreconciliável.<br />
12 Trata-se, para dizê-lo com Habermas (1962: mk-64), da emergência <strong>do</strong> espaço<br />
público burguês ! ou publicidade burguesa !, povoa<strong>do</strong> por livres proprietários.<br />
Para o registro histórico de vocábulos 5publicana” e 5publique” ver Alonso Martín<br />
(1988: k4kk-k4k4).<br />
13 Conforme o dicionário de E. A. Andrews, Charlton T. Lewis, et. al. (19u7:<br />
148m).<br />
8
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lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
Mediante analise paciente é possível mostrar conexões<br />
internas entre diferentes acepções e usos <strong>do</strong> vocábulo em questão,<br />
neste caso o substantivo 5público”, de mo<strong>do</strong> a alinhavar redes ou<br />
constelações semânticas que revelam os lindes de suas diferentes<br />
dimensões constitutivas. Do ponto de vista da elaboração de<br />
teoria, as dimensões desvendadas no terreno <strong>do</strong>s usos lingüísticos<br />
sugerem tanto distinções analíticas pertinentes quanto inter-<br />
relações existentes no interior de tais distinções. O estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
usos registra<strong>do</strong>s para o vocábulo 5público” e suas derivações no<br />
castelhano, desde sua aparição no século MIV até a segunda metade<br />
<strong>do</strong> século MM, assinala de forma indireta a presença dessas<br />
dimensões e revela interessante deslocamento semântico a longo <strong>do</strong><br />
percurso secular aqui contempla<strong>do</strong>. 14 Durante essas sete centúrias<br />
entraram em circulação e extinguiram-se distintas acepções de<br />
5público”, todas elas vinculadas a três campos de significação<br />
geral, cujo senti<strong>do</strong> é defini<strong>do</strong> por oposição a igual número de<br />
senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> termo 5priva<strong>do</strong>”. Em se tratan<strong>do</strong> de termo dicothmico<br />
por excelência, a precisão cabal <strong>do</strong> seu senti<strong>do</strong> apenas se torna<br />
possível quan<strong>do</strong> a oposição com o 5priva<strong>do</strong>” lhe define as<br />
fronteiras.<br />
<strong>As</strong>sim, cada uma das três dimensões <strong>do</strong> 5público” se encontra<br />
em tensão com constelações paralelas de senti<strong>do</strong>s no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
5priva<strong>do</strong>”: público versus privacidade, intimidade ou sociabilidade<br />
primária; público versus propriedade ou interesse particular; e<br />
público versus não difundi<strong>do</strong>, de conhecimento particular ou<br />
restrito. { idéia <strong>do</strong> 5público” pertencem, em contrapartida, três<br />
senti<strong>do</strong>s opostos: priva<strong>do</strong> versus vida pública, com suas conotações<br />
de convívio social e de acesso aberto ou irrestrito; priva<strong>do</strong><br />
versus vida política, associada a decisões vinculantes, a cursos<br />
de ação obrigatórios sobre problemas da comunidade e, em geral, ao<br />
interesse público; e priva<strong>do</strong> versus publicita<strong>do</strong> ou exposto à luz<br />
pública. Cada oposição semântica engloba um conjunto maior de<br />
14 Aqui serão apresenta<strong>do</strong>s apenas os resulta<strong>do</strong>s finais da análise. Omitem-se<br />
quaisquer considerações acerca <strong>do</strong> vagaroso processo de tentativa e erro para a<br />
9
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lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
acepções, ora na forma gramatical de adjetivos ora na de<br />
substantivos, incluin<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os usos registra<strong>do</strong>s da palavra<br />
5público” nesses sete séculos. Nesse senti<strong>do</strong>, não há sequer um<br />
único uso extinto o atual <strong>do</strong> 5público”, tal e como registra<strong>do</strong> no<br />
Real Dicionário da Academia Espanhola ou em outras obras<br />
especializadas, que escape dessas tensões. 1m<br />
O Quadro 1 sistematiza as três dimensões a partir da<br />
correspondente definição <strong>do</strong> 5publico” e <strong>do</strong> 5priva<strong>do</strong>”, da<br />
explicitação da tensão existente entre ambos, das dicotomias<br />
associadas a tal tensão, de exemplos históricos de deslocamentos<br />
semânticos e usos hoje extintos, bem como de usos contemporâneos<br />
<strong>do</strong> adjetivo qualificativo 5público” inscritos em cada dimensão.<br />
Na primeira dimensão, à noção de 5priva<strong>do</strong>” correspondem os<br />
registros semânticos da privacidade, daquilo que por ser<br />
considera<strong>do</strong> próprio da intimidade exclui qualquer direito externo<br />
de intervir ou participar, inclusive no caso <strong>do</strong> poder público. Por<br />
exemplo: opções sexuais ou escolhas no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s afetos<br />
correspondem, atualmente, ao foro da subjetividade ou à suserania<br />
<strong>do</strong> indivíduo. No século MIM, na França, ainda se utilizava a noção<br />
de 5priva<strong>do</strong>” no senti<strong>do</strong> de privar (priver), de retirar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />
de <strong>do</strong>mesticar ou levar para o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>méstico: falava-se em<br />
5pássaro priva<strong>do</strong>”. <strong>As</strong>sim, 5público” emerge aqui sob a roupagem da<br />
vida pública, com suas conotações de convívio social e de acesso<br />
aberto ou irrestrito e, conseqüentemente, de âmbito propício para<br />
a multiplicação de lugares pecaminosos. 5Mulher pública”, 5casa<br />
pública”, 5telefone público”, dentre outros, são usos <strong>do</strong> adjetivo<br />
5público” que frisam o caráter extra<strong>do</strong>méstico <strong>do</strong>s objetos<br />
qualifica<strong>do</strong>s. Há dicotomias arquetípicas na nossa compreensão <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> organizadas por essa primeira tensão, entre elas, casa vs.<br />
rua, família vs. mun<strong>do</strong>, moral vs direito.<br />
construção das redes semânticas que organizam as conotações <strong>do</strong> substantivo<br />
5público”.<br />
15 Para os dicionários especializa<strong>do</strong>s e obras de consulta utilizadas ver as notas<br />
<strong>do</strong> Quadro 1 e <strong>do</strong> Quadro 2.<br />
10
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 11<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
Quadro 1. Três <strong>Dimensões</strong> <strong>Constitutivas</strong> <strong>do</strong> <strong>Espaço</strong> <strong>Público</strong> - Análise Semântica *<br />
I II III<br />
PÚBLICO:<br />
PÚBLICO:<br />
PÚBLICO:<br />
Aquilo que é aberto irrestrito: sem Aquilo que é comum, geral e de Aquilo que é amplamente difundi<strong>do</strong> e<br />
restrições excludentes de entrada ou interesse de to<strong>do</strong>s: excluí<strong>do</strong> das aquele para quem é divulga<strong>do</strong> ou que<br />
circulação, acessível.<br />
possibilidades de apropriação privada. assiste um evento ou espetáculo.<br />
Próprio de Termos como:<br />
parque público, via pública, transporte<br />
público, telefone público, mulher<br />
pública, casa pública.<br />
PRIVADO:<br />
Aquilo que por ser considera<strong>do</strong> próprio<br />
da intimidade exclui qualquer direito<br />
externo de intervir ou participar.<br />
<strong>As</strong>socia, Organiza Dicotomias como:<br />
Casa x Rua, Conheci<strong>do</strong> x Estradnho,<br />
Fecha<strong>do</strong> x Aberto, Família x Mun<strong>do</strong>,<br />
Segurança x Perigo, Moral x Direito<br />
Próprio de Termos como:<br />
bem público, propriedade pública,<br />
poder público, orçamento público,<br />
educação pública<br />
PRIVADO:<br />
Aquilo que por ser considera<strong>do</strong><br />
propriedade privada pressupõe direito<br />
de uso e abuso<br />
<strong>As</strong>socia, Organiza Dicotomias como:<br />
Particular x Geral, Interesse x razão,<br />
economia x política, opaco x<br />
transparente, desigualdade x igualdade,<br />
Próprio de Termos como:<br />
publicar, publicidade, publicitar,<br />
opinião pública, conhecimento público,<br />
em público, público (especta<strong>do</strong>r)<br />
PRIVADO:<br />
Aquilo que não atinge notoriedade<br />
pública, permanecen<strong>do</strong> no<br />
conhecimento de um número limita<strong>do</strong><br />
de particulares.<br />
<strong>As</strong>socia, Organiza Dicotomias como:<br />
local x geral, opinião particular x<br />
opinião pública, irrelevante x relevante,<br />
"irreal" x verosimilhante, ignora<strong>do</strong> x<br />
merca<strong>do</strong> x Esta<strong>do</strong><br />
notório<br />
TENSÃO:<br />
TENSÃO:<br />
TENSÃO:<br />
<strong>Espaço</strong> público como oposto ao mun<strong>do</strong> <strong>Espaço</strong> público como oposto ao mun<strong>do</strong> <strong>Espaço</strong> público como oposto ao mun<strong>do</strong><br />
da privacidade: <strong>Público</strong> x Íntimo da propriedade: <strong>Público</strong> x Priva<strong>do</strong> das particularidades: <strong>Público</strong> x<br />
Priva<strong>do</strong> (privacidade)<br />
Capital (propriedade)<br />
Individual Priva<strong>do</strong> (particularidades)<br />
Exemplo:<br />
Exemplo:<br />
Exemplo:<br />
"Priver" (francês s. XIX): <strong>do</strong>mesticar, Private (francês s. XVI): privilegia<strong>do</strong>, "la cour e la ville" (francês s. XVII):<br />
amansar, amenstrar. V.gr. "pássaro de alto nível de governo.<br />
audiência das obras de teatro (le public<br />
priva<strong>do</strong>" (não existe mais)<br />
aparece em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> s. XVII).<br />
Real Academia Espanhola:<br />
1ª e 2ª acepções: "notório"; "vulgar ou<br />
nota<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s".<br />
* Fontes:<br />
Real Academia Espanhola:<br />
3ª, 4ª e 9ª acepções: "potestade,<br />
jurisdição de autoridade para fazer uma<br />
coisa"; "pertencente a to<strong>do</strong> o povo";<br />
"comum <strong>do</strong> povo ou cidade".<br />
Real Academia Espanhola:<br />
10ª e 11ª acepções: "conjunto de<br />
pessoas aficionadas que partilham a<br />
mesma afeição", "pessoas reunidas para<br />
assistir um espetáculo".<br />
Alonso Martin. Ciencias del lenguaje y arte del estilo. España, Aguilar 1979.<br />
Alonso Martin. Diccionario del español moderno . España, Aguilar 1978.<br />
Alonso Martin. Enciclopedia del idioma - Dicionario histórico moderno del la lengua española (sglos XII al XX),<br />
etimológico, tecnológico e hispanoamericano. México Aguilar 1988.<br />
Casares Julio. Diccionario ideologico de la lengua española. España, Gustavo Gili 1981.<br />
Molier Maria. Diccionario del uso del español. España, Gre<strong>do</strong>ls 1986<br />
Real Academia Española. Diccionario de la Real Academia Española. España 1992.<br />
Na segunda dimensão, o 5priva<strong>do</strong>” aparece sob o registro da<br />
propriedade, mas não daquela carregada sentimentalmente de valores<br />
pela sua presença biográfica na vida das pessoas ! arraigada no<br />
mun<strong>do</strong> priva<strong>do</strong> da intimidade !, senão daquela engendrada como motor<br />
11
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 12<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
da riqueza no seio <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> moderno. 16 Com uma percepção <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
instalada em sociedades de merca<strong>do</strong> é difícil imaginar o quanto no<br />
mun<strong>do</strong> moderno os senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> 5priva<strong>do</strong>” foram redefini<strong>do</strong>s e<br />
impregna<strong>do</strong>s com os valores <strong>do</strong> capital, diminuin<strong>do</strong> o campo<br />
semântico da categoria e, plausivelmente, a diversidade das<br />
modalidades sociais <strong>do</strong> priva<strong>do</strong>, confrontan<strong>do</strong>-as ao mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> poder<br />
público. Ainda no século MVI, na França, private significava<br />
privilegia<strong>do</strong>, de alto nível <strong>do</strong> governo. Em contraposição,<br />
5público” remete àquilo que por ser de interesse de to<strong>do</strong>s, geral<br />
ou comum deve ser excluí<strong>do</strong> das possibilidades da apropriação<br />
privada. Resguardar bens materiais e imateriais <strong>do</strong>s usos e abusos<br />
de apropriações guiadas pela lógica <strong>do</strong> lucro remete à<br />
institucionalização política de regras e, se necessário, à<br />
capacidade de forçar a obediência. No mun<strong>do</strong> moderno remete,<br />
portanto, ao Esta<strong>do</strong> e ao direito. Dicotomias fundamentais que<br />
estruturam a concepção moderna da política estão associadas a essa<br />
tensão: particular vs. geral, merca<strong>do</strong> vs. Esta<strong>do</strong>, desigualdade vs.<br />
igualdade, interesse vs. razão, secreto vs. manifesto. Na medida<br />
em que 5público” coincide com 5geral”, 5Esta<strong>do</strong>”, 5igualdade”,<br />
5razão” e 5manifesto”, transfere esses senti<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong><br />
como adjetivo: o poder e o orçamento são públicos, por exemplo,<br />
não apenas porque residem ou são exerci<strong>do</strong>s no âmbito <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />
mas também porque devem responder a uma racionalidade geral, cujos<br />
critérios devem ser manifestos para a população.<br />
Por fim, na terceira dimensão à noção de 5priva<strong>do</strong>” subjaz um<br />
senti<strong>do</strong> mais restrito e recente: aquilo que não atinge notoriedade<br />
pública e permanece sob o conhecimento de número limita<strong>do</strong> de<br />
16 A <strong>do</strong>utrina social da igreja, atualizada em registro conserva<strong>do</strong>r pela encíclica<br />
Centesimus annus, de João Paulo II (1991), deu o nome de 5antropológica” à<br />
primeira forma de propriedade; isto é, decorrente da afirmação <strong>do</strong> homem, da<br />
necessidade humana de se apropriar <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> para transformá-lo. Tal formulação,<br />
é claro, mantém como ano de fun<strong>do</strong> a refutação da crítica marxista à propriedade.<br />
Contu<strong>do</strong>, em Marx a crítica visa a propriedade burguesa, isto é, a modalidade de<br />
propriedade privada característica da segunda dimensão analisada acima: 5O traço<br />
distintivo <strong>do</strong> comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição<br />
da propriedade burguesa y...z A propriedade bem adquirida, fruto <strong>do</strong> trabalho, <strong>do</strong><br />
esforço pessoal| Essa forma de propriedade que precede a propriedade burguesa?<br />
Não temos que aboli-la: o progresso da industria tem-na aboli<strong>do</strong> e está a aboli-la<br />
to<strong>do</strong> dia”. (Marx, 1848: 74-7m).<br />
12
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 13<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
pessoas ou particulares. 5<strong>Público</strong>”, de mo<strong>do</strong> inverso, se refere a<br />
um só tempo a assuntos amplamente difundi<strong>do</strong>s e ao receptor dessa<br />
difusão, quer dizer, à platéia, expecta<strong>do</strong>res ou ouvintes de uma<br />
mensagem. Conforme será visto, a rede semântica <strong>do</strong> 5público”<br />
associada a fenhmenos comunicativos é bastante recente, e, quiçá<br />
por isso, inexistem dicotomias historicamente cristalizadas que<br />
condensem as clivagens entre 5público” e 5priva<strong>do</strong>” características<br />
desta dimensão. A denominação da platéia como público só começou a<br />
circular de maneira incipiente, na França, em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século<br />
MVII; até antão, no teatro onde os espetáculos aconteciam<br />
relativamente desenclausura<strong>do</strong>s em relação aos pequenos palcos<br />
reais e da sociedade cortesã, os expecta<strong>do</strong>res recebiam o<br />
sintomático nome de 5la cour et la ville”. De fato, termos como<br />
5publicar”, 5publicidade”, 5publicitar”, 5conhecimento público” ou<br />
5opinião pública”, por exemplo, carecem de anthnimos claros. Sem<br />
dúvida, também neste caso o espaço público guarda relação de<br />
oposição com o mun<strong>do</strong> das particularidades; no entanto, o primeiro<br />
consiste em um âmbito de notoriedade ampla, enquanto o segun<strong>do</strong><br />
ultrapassa os limites da esfera <strong>do</strong>méstica ! embora sem adquirir<br />
relevância pública. Sem constituírem dicotomias decantadas pelo<br />
tempo, algumas oposições permitem ilustrar essa divisão entre<br />
5público” e 5priva<strong>do</strong>”: local vs. geral, opinião particular vs.<br />
opinião pública, ignora<strong>do</strong> vs. notório.<br />
A disposição <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s múltiplos <strong>do</strong> 5público” em<br />
constelações ou redes semânticas passíveis de serem elaboradas<br />
como dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público revela, bem vistas<br />
as coisas, muito mais <strong>do</strong> que uma simples agrupação tipológica. Com<br />
efeito, tal disposição dista de ser gratuita ou de espelhar apenas<br />
os critérios da formalização pré-teórica aqui ensejada. A evolução<br />
das línguas obedece em boa medida a dinâmicas estruturais<br />
internas, mas isso, é claro, não ocorre dentro de uma autonomia<br />
absoluta ou cindida de processos históricos que animam tanto<br />
tentativas constantes de nomear o novo no mun<strong>do</strong> quanto<br />
13
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 14<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
alargamentos e contrações vagarosos <strong>do</strong>s nomes disponíveis para a<br />
enunciação <strong>do</strong> próprio mun<strong>do</strong>.<br />
} notável constatar que, efetivamente, os três senti<strong>do</strong>s<br />
gerais de 5público” emergiram e foram adquirin<strong>do</strong> seus significa<strong>do</strong>s<br />
em perío<strong>do</strong>s históricos diferentes, sugerin<strong>do</strong> eventuais mudanças de<br />
ênfase na definição daquilo que tem si<strong>do</strong> considera<strong>do</strong> socialmente<br />
como público. O Quadro 2 sumariza os acha<strong>do</strong>s a esse respeito para<br />
as três dimensões semânticas <strong>do</strong> 5público”: em cada caso arrolam-se<br />
as acepções mais características e indica-se tanto o século <strong>do</strong> seu<br />
surgimento, e a vigência secular <strong>do</strong> seu uso, quanto o momento da<br />
sua extinção, caso tenham desapareci<strong>do</strong> na prática da língua viva.<br />
O trabalho de datar as dimensões semânticas encontradas torna<br />
viável esboçar, grosso mo<strong>do</strong>, linhas de evolução ou grandes<br />
transformações na configuração <strong>do</strong> espaço público.<br />
A maioria <strong>do</strong>s usos de 5público” com o significa<strong>do</strong> daquilo que<br />
acontece fora <strong>do</strong> âmbito <strong>do</strong>méstico ou, no limite, da sociabilidade<br />
primária, entraram em circulação entre os séculos MIV e MVII. A<br />
antiguidade dessa dimensão é atestada convincentemente por <strong>do</strong>s<br />
fatos: é a única a registrar vocábulos e circulação já no<br />
trezentos (S. MIV) e também a possuir conotações e até vocábulos<br />
extintos ! por exemplo, 5publicamente” como sinhnimo de má vida<br />
pública, 5publique” como prostíbulo ou 5publicana” como<br />
prostituta.<br />
Por sua vez, 5público” referi<strong>do</strong> ao interesse geral ou ao bem<br />
comum garanti<strong>do</strong> por autoridade passou a ser utiliza<strong>do</strong> de forma<br />
corrente desde o século MVI, ganhan<strong>do</strong> todas suas acepções uma<br />
centúria depois, durante o seiscentos. Isto é, exatamente nos<br />
séculos da pacificação e unificação da política realizadas sob a<br />
égide <strong>do</strong> absolutismo. Todas as acepções <strong>do</strong> público inscritas nessa<br />
dimensão continuam em plena vigência.<br />
Já os senti<strong>do</strong>s de 5público” como aquilo que é amplamente<br />
difundi<strong>do</strong> começaram a vigorar só no século MVIII; não de maneira<br />
fortuita o século das luzes por excelência. Nesse senti<strong>do</strong> não<br />
surpreende a consonância com amplo consenso na literatura acerca<br />
14
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 15<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
da origem setecentista <strong>do</strong> fenhmeno <strong>do</strong> público como platéia ou como<br />
destinatário da produção artística ! sobretu<strong>do</strong> daquela de caráter<br />
literário, cujo desenvolvimento acompanhou o auge <strong>do</strong> romance e <strong>do</strong><br />
folhetim. 17 No caso dessa dimensão, é sem dúvida mais relevante o<br />
fato de ser a único a incorporar novas dicções à língua durante o<br />
século MM ! por exemplo, 5publicable” ou 5publicitario” !,<br />
atestan<strong>do</strong> o vertiginoso crescimento da mídia e seu peso na<br />
determinação <strong>do</strong> que socialmente é entendi<strong>do</strong> nas sociedades<br />
contemporâneas como público.<br />
Quadro 2. Evolução das <strong>Dimensões</strong> <strong>do</strong> <strong>Espaço</strong> <strong>Público</strong> - Séculos XIV a XX *<br />
Tensão I<br />
SÉCULOS<br />
<strong>Público</strong> x Privacidade<br />
XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX<br />
<strong>Público</strong>: notório ou manifesto x x x x x x x<br />
Publicamente: de forma ou maneira pública x x x x x x x<br />
Publicamente: má vida pública x<br />
Publicidade: lugar ocorri<strong>do</strong> x x<br />
Ibid.: sem ressalvas para algo se tornar conheci<strong>do</strong> x x<br />
Publicana (prostituta) x x<br />
Publique (bordel) x x<br />
Tensão II<br />
SÉCULOS<br />
<strong>Público</strong> x Propriedade<br />
XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX<br />
Publicação: promulgar uma lei por autoridade x x x x x x<br />
<strong>Público</strong>: potestade de autoridade x x x x x<br />
<strong>Público</strong>: potestativo x x x x x<br />
<strong>Público</strong>: comum ao povo ou cidade x x x<br />
<strong>Público</strong>: de interesses gerais x x x<br />
<strong>Público</strong>: que pertence ao povo x x x<br />
Publicidade: que tem estatuto público x x x<br />
Tensão III<br />
SÉCULOS<br />
<strong>Público</strong> x Particularidade<br />
XIV XV XVI XVII XVIII XIX XX<br />
<strong>Público</strong>: audiência ou assistentes x x x<br />
Publicar: editar, difundir, divulgar x x x<br />
Publicar: manifestar em público x x x<br />
Publicidade: meios para divulgar ao público x x x<br />
Publicável (que pode ser difundi<strong>do</strong>) x<br />
Publicitário (referente à publicidade) x<br />
Publi-reportagem (<strong>do</strong>cumentário jornalístico)<br />
* Fontes:<br />
x<br />
Alonso Martin. Ciencias del lenguaje y arte del estilo . España, Aguilar 1979.<br />
Alonso Martin. Diccionario del español moderno . España, Aguilar 1978.<br />
Alonso Martin. Enciclopedia del idioma - Dicionario histórico moderno del la lengua española (sglos XII al XX),<br />
etimológico, tecnológico e hispanoamericano . México Aguilar 1988.<br />
Casares Julio. Diccionario ideologico de la lengua española. España, Gustavo Gili 1981.<br />
Molier Maria. Diccionario del uso del español. España , Gre<strong>do</strong>ls 1986<br />
17 Ver a esse respeito, por exemplo, as formulações de Georges Duby (1991: 19-<br />
15
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 16<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
{ medida que os três campos semânticos recém-expostos<br />
continuam a vigorar, a despeito <strong>do</strong> revezamento de ênfases em cada<br />
senti<strong>do</strong> ao longo desses séculos to<strong>do</strong>s, os resulta<strong>do</strong>s da exploração<br />
lingüística também apontam para a pertinência de se pensar no<br />
espaço público a partir da confluência de diferentes dimensões a<br />
englobarem: (i) o social, consubstancia<strong>do</strong> nas instituições civis<br />
da vida pública, na 5arte da associação” ou sociedade civil, nas<br />
regras de civilidade que tornam possível o convívio social em um<br />
mun<strong>do</strong> de estranhos ! as grandes urbes !; (ii) o político,<br />
cristaliza<strong>do</strong> no arcabouço de instituições incumbidas tanto de<br />
processar decisões vinculantes quanto de implantá-las e respaldá-<br />
las mediante imposição de penas caso seja necessário; e (iii) o<br />
comunicativo, entendi<strong>do</strong> não apenas como expressão e recepção de<br />
conteú<strong>do</strong>s, mas principalmente como construção de consensos e<br />
Dissensos na percepção social <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
5O social” transpõe para o campo <strong>do</strong>s conceitos sociológicos<br />
tu<strong>do</strong> aquilo que, nas páginas precedentes e no terreno da<br />
semântica, opus o público ao priva<strong>do</strong> enquanto<br />
privacidade~intimidade. 5O político” verte para a sociologia e<br />
filosofia políticas a tensão entre o público e o priva<strong>do</strong> como<br />
propriedade privada, ou como afirmação de interesses particulares<br />
com conseqüências mediatas que transbordam o âmbito <strong>do</strong> particular<br />
e escalam para o geral, atingin<strong>do</strong> a sociedade como um to<strong>do</strong>. 5O<br />
comunicativo” diz respeito aos conteú<strong>do</strong>s expressos, construí<strong>do</strong>s e<br />
modifica<strong>do</strong>s nas interações sociais, graças às quais as pessoas<br />
elaboram suas percepções <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e sua atuação nele; no entanto,<br />
5o comunicativo” penetra no registro analítico da comunicação<br />
política assim que foca<strong>do</strong>, nas sociedades contemporâneas, o papel<br />
cada vez mais relevante da intermediação entre o mun<strong>do</strong> das<br />
instituições políticas e a sociedade realizada pelos meios<br />
21), Richard Sennett (1977: 26-9) e Jürgen Habermas (1962: mk-64).<br />
16
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 17<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
massivos de comunicação. 18 <strong>As</strong> relações entre as dimensões social,<br />
política e comunicativa <strong>do</strong> espaço público serão abordadas nos<br />
comentários finais.<br />
Embora por outros caminhos e em trabalhos desenvolvi<strong>do</strong>s com<br />
óticas diferentes, autoras como Nora Rabotnikof e Graciela Soriano<br />
de García-Pelayo também lançaram mão da polissemia da palavra<br />
5público” para organizar suas análises e, coincidentemente,<br />
propuseram abordagens tridimensionais <strong>do</strong> espaço público em termos<br />
bastante compatíveis com os resulta<strong>do</strong>s expostos. Rabotnikof<br />
distingue três senti<strong>do</strong>s associa<strong>do</strong>s a 5público”, a partir <strong>do</strong>s quais<br />
interroga as grandes abordagens <strong>do</strong> espaço público: o comum e geral<br />
versus o priva<strong>do</strong> como particular; o manifesto e ostensível versus<br />
o priva<strong>do</strong> como secreto; e o acessível e aberto versus o<br />
clausura<strong>do</strong>. 19 Por sua vez, Soriano (1996: 27-62) explora as<br />
categorias 5público” e 5priva<strong>do</strong>” de uma perspectiva<br />
multidimensional, expressa nas tensões comum~particular,<br />
individual~coletivo, pessoal~social. Em registros diferentes e<br />
apenas parcialmente sobrepostos, nas tríades examinadas por ambas<br />
as autoras comparecem de novo as dimensões política, social e<br />
comunicativa associadas à configuração <strong>do</strong> espaço público: o comum<br />
e geral, no primeiro caso; o aberto, acessível e coletivo, no<br />
segun<strong>do</strong>; e o manifesto e ostensível, no terceiro.<br />
3. Dissensos, teorias e dimensões <strong>do</strong> espaço público<br />
Utilizar-se de um modelo teórico implica riscos, precisamente<br />
aqueles contorna<strong>do</strong>s pelas abordagens 5fenomenológicas” ! por assim<br />
dizer !, que lançam mão da polissemia <strong>do</strong> termo 5público” tal como<br />
aparece na fala, evitan<strong>do</strong> assim a aceitação a priori de qualquer<br />
18 Balanços acerca da evolução e esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> campo de estu<strong>do</strong>s da comunicação<br />
política podem ser consulta<strong>do</strong>s nas obreas organiza<strong>do</strong>as por Gilles Gauthier, André<br />
Gosselin e Jean Mouchon (199m), e Jean-Marc Ferry, Dominique Wolton, et al (1989)<br />
19 A entrevista concedida por Nora Rabotnikof (1996: ku-km) a Antonella Attili<br />
apresenta especificação particularmente clara <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s <strong>do</strong> 5público”<br />
trabalha<strong>do</strong>s pela filósofa, embora a abordagem tenha si<strong>do</strong> desenvolvida com maior<br />
detalhe no seu trabalho mais relevante acerca da configuração <strong>do</strong> público no mun<strong>do</strong><br />
moderno (Rabotnikof, 199m: 1-2k).<br />
17
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 18<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
unidade já organizada e resolvida no campo das teorias <strong>do</strong> espaço<br />
público. A análise até aqui desenvolvida visa mostrar, assim, a<br />
plausibilidade de se pensar o espaço público em termos de uma<br />
configuração multidimensional, evitan<strong>do</strong>-se o hnus de assumir<br />
princípios de unificação demasia<strong>do</strong> depura<strong>do</strong>s, inerentes aos<br />
grandes modelos. Diga-se de passagem, ao se falar em modelos,<br />
admite-se aqui tanto seu caráter de constructo estiliza<strong>do</strong>, de<br />
abstração modelada com o intuito de aferir aspectos primordiais de<br />
determina<strong>do</strong> fenhmeno, quanto seu papel exemplar, de 5molde” a ser<br />
reproduzi<strong>do</strong> para equacionar problemas.<br />
Há diversas contribuições de valia quanto à conceituação <strong>do</strong><br />
espaço público moderno, embora nem todas desempenham uma função<br />
modelar no debate contemporâneo; sua listagem teria de contemplar<br />
nomes como Carl Schmitt, Niklas Luhmann, Norberto Bobbio, Claude<br />
Lefort, John ceane, Manuel García-Pelayo, Reinhart coselleck,<br />
Richard Sennett, Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Conciliar a<br />
leitura e interpretação desses autores é tarefa plena de<br />
dificuldades. Na sua obra não apenas existe um nível de<br />
complexidade inerente à conceituação de toda categoria fundamental<br />
na tradição da filosofia e <strong>do</strong> pensamento políticos de ocidente,<br />
mas sequer os contornos mais gerais pressupostos na denominação<br />
5espaço público moderno” são isentos de controvérsia.<br />
Por exemplo, em seu célebre trabalho acerca das condições<br />
estruturais que fizeram possível e emergência <strong>do</strong> espaço público<br />
burguês, Habermas (1962: 88-9k) aponta sistematicamente para o<br />
potencial democrático e de racionalização <strong>do</strong> poder nele presentes.<br />
Em leitura diametralmente oposta, coselleck (19m7: 88-11u) firma a<br />
hipocrisia e não as energias democratiza<strong>do</strong>ras como verdadeiro<br />
atributo a impregnar essa dimensão burguesa da vida social. Para<br />
Arendt (19m8: k1-k6, m9-67), o espaço público é instância da<br />
realização plena da condição humana mediante uma das atividades<br />
fundamentais da vita activa: a ação, isto é, a liberdade, a<br />
dignidade da política, a luta <strong>do</strong>s homens contra a mortalidade e<br />
contra o esquecimento, a relação desinteressada entre eles e sem<br />
mediação <strong>do</strong> mundano ou das necessidades vitais. Porém, essa bela<br />
18
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 19<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
configuração <strong>do</strong> espaço público, oriunda da antigüidade clássica,<br />
foi destruída pelo mun<strong>do</strong> moderno; por isso, sequer cabe cogitar na<br />
existência <strong>do</strong> espaço público nas sociedades contemporâneas, a não<br />
ser como negação <strong>do</strong> espaço público genuíno. Tu<strong>do</strong> isso sem esquecer<br />
as tendências históricas seculares responsáveis pela entronização<br />
da 5tirania da intimidade” ! como desvendada no belíssimo trabalho<br />
de Richard Sennett !, cuja ação corrosiva no esvaziamento da vida<br />
pública atuaria, precisamente, no momento em que parte nada<br />
desprezível da literatura identifica a consolidação <strong>do</strong> próprio<br />
espaço público moderno (Sennett, 1976: 189-242).<br />
A despeito das dificuldades arroladas, as três dimensões <strong>do</strong><br />
espaço público examinadas fornecem coordenadas gerais para a<br />
localização <strong>do</strong>s problemas passíveis de serem pensa<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong>s<br />
diferentes modelos teóricos, ou, em senti<strong>do</strong> inverso, para a<br />
identificação <strong>do</strong>s seus custos cognitivos ou exclusões tácitas. Por<br />
motivos de espaço, apenas receberá tratamento breve um autor que<br />
permitem ilustrar a relação entre dimensões e modelos <strong>do</strong> espaço<br />
público. 2u Habermas é de longe o autor mais influente nesse campo.<br />
Sua obra transitou de um diagnóstico histórico-sociológico<br />
centra<strong>do</strong> na dimensão social da emergência <strong>do</strong> espaço público<br />
moderno ! todavia, com relações nítidas com as outras <strong>do</strong>is<br />
dimensões !, para uma proposta filosófica centrada de mo<strong>do</strong><br />
extremamente abstrato nas capacidades comunicativas resguardadas<br />
apenas no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> social.<br />
No trabalho clássico acerca das transformações estruturais da<br />
publicidade ou espaço público burguês, a complexa causalidade<br />
histórica subjacente à construção desse espaço encontra-se<br />
geneticamente articulada à aparição histórica <strong>do</strong> social; isto é,<br />
segue a trilha <strong>do</strong> paulatino fortalecimento da sociedade de<br />
merca<strong>do</strong>, <strong>do</strong> crescimento das grandes metrópoles, da afirmação<br />
material e simbólica da família burguesa, <strong>do</strong> surgimento <strong>do</strong><br />
20 Analise de outros modelos genéticos <strong>do</strong> espaço público ! coselleck, Arendt e<br />
Sennett !, e de algumas teorizações contemporâneas como a de Luhmann o a aquelas<br />
desenvolvidas na vertente da comunicação política, pode ser consultada nos<br />
trabalhos de Rabotnikof (199m) e Gurza Lavalle (2uu1).<br />
19
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 20<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
interesse priva<strong>do</strong> como pretensão racional e legítima, sem esquecer<br />
o amadurecimento da subjetividade moderna afiançada na moral em<br />
sua relação com o mun<strong>do</strong> (Habermas, 1962: mk-64,8u-88). 21 Quan<strong>do</strong><br />
foca<strong>do</strong> com menor distância, o espaço público obedece ao incipiente<br />
desenvolvimento da vida pública moderna; isto é, à configuração de<br />
uma esfera institucional de interação no interior das camadas de<br />
livres proprietários e entre elas e o poder. Cafés, casa de chá,<br />
pubs, lugares públicos para comensais, entre outras, foram as<br />
inovações sociais fantásticas que integraram essa esfera<br />
institucional. Nela multiplicaram-se reclamos e iniciativas<br />
volta<strong>do</strong>s para o poder e desenvolveu-se aquilo que hoje é conheci<strong>do</strong><br />
como opinião pública (Habermas, 1962: 94-1u8, 124-1km).<br />
<strong>As</strong>sim, em primeira instância a interpretação habermasiana da<br />
gênese <strong>do</strong> espaço público está centrada na dimensão social <strong>do</strong><br />
mesmo, ou seja, na autonomia das novas camadas sociais de pequenos<br />
proprietários perante o poder e na sua capacidade de incidir nas<br />
decisões <strong>do</strong> poder mediante a projeção <strong>do</strong>s seus reclamos, se<br />
utilizan<strong>do</strong>, para tanto, <strong>do</strong>s pequenos jornais de opinião ! jornais,<br />
aliás, propriedade dessas camadas. Na medida em que a opinião<br />
publica da pequena burguesia visava atingir o poder imprimin<strong>do</strong> e<br />
veiculan<strong>do</strong> publicamente suas idéias, o modelo original <strong>do</strong> filósofo<br />
alemão contempla as dimensões comunicativa e política <strong>do</strong> espaço<br />
público, embora o faça de mo<strong>do</strong> secundário. No primeiro caso, os<br />
jornais difundem consensos decanta<strong>do</strong>s mediante uma cultura <strong>do</strong><br />
diálogo sediada nas novas instituições sociais ! cafés, cassa de<br />
chá, etc. !, mas o elemento dialógico, e não os jornais em si, é<br />
que merece dignidade teórica no modelo de Habermas. 22 No segun<strong>do</strong>, o<br />
21 Note-se que o conjunto de tendências enunciadas diz respeito à emergência <strong>do</strong><br />
social, pelo que outras grandes transformações em curso não aparecem no elenco !<br />
notadamente, a centralização <strong>do</strong> poder político, a emergência de instituições<br />
políticas modernas e a consolidação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ! aspectos, aliás, nevrálgicos na<br />
perspectiva de coselleck. O surgimento <strong>do</strong> social também gerou transformações no<br />
âmbito priva<strong>do</strong>-<strong>do</strong>méstico, agora simboliza<strong>do</strong> pela lógica da intimidade. Para as<br />
mudanças que redefiniram a geografia <strong>do</strong> público e <strong>do</strong> priva<strong>do</strong> no plano da<br />
intimidade e da moralidade, analisadas a partir de um de seus componentes mais<br />
clausura<strong>do</strong>s ! o corpo !, ver o trabalho de Emanuele Amodio (1996: 169-2u1).<br />
22 A esse respeito ver, por exemplo, a crítica de Thompson (199m: 1u9-121) ao papel<br />
<strong>do</strong>s meios de comunicação no modelo hebermasiano <strong>do</strong> espaço público.<br />
20
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 21<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
Esta<strong>do</strong> comparece como alvo permeável às exigências da sociedade<br />
civil burguesa.<br />
A presença secundária <strong>do</strong> político e <strong>do</strong> papel <strong>do</strong>s meios de<br />
comunicação na dimensão comunicativa <strong>do</strong> espaço público foi<br />
preservada e, por vezes, acentuada na trajetória intelectual <strong>do</strong><br />
autor. 2k Embora os trabalhos posteriores à guinada <strong>do</strong> começo <strong>do</strong>s<br />
anos 198u tenham promovi<strong>do</strong> a redefinição <strong>do</strong> espaço público em<br />
termos puramente comunicativos ! como fluxos comunicativos !,<br />
trata-se ainda de interações reais instaladas no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> social e<br />
não de processos de intermediação massiva comanda<strong>do</strong>s pela mídia.<br />
Se o diálogo face a face e a construção e veiculação impressa de<br />
consensos coincidiram quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> nascimento da opinião pública<br />
(burguesa), hoje, o componente comunicativo na configuração <strong>do</strong><br />
espaço público é essencialmente midiático, tal e como mostra<strong>do</strong><br />
pela análise histórica das dimensões semânticas. Em Habermas, a<br />
leitura <strong>do</strong> político e <strong>do</strong> comunicativo opera numa chave totalmente<br />
ancorada no social. Nesse senti<strong>do</strong>, análises interessadas em<br />
avançar na compreensão <strong>do</strong> papel da mídia ou das instituições<br />
políticas na configuração histórica <strong>do</strong> espaço público, enfrentarão<br />
custos cognitivos demasia<strong>do</strong> altos na eventual a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> modelo<br />
habermasiano.<br />
4. P Guisa de Conclusão<br />
Cabe agora fixar, à guisa de conclusão, os contornos<br />
sociológicos das dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público. Optou-<br />
se pelo o termo 5dimensão” porque preserva vínculos analógicos com<br />
a idéia <strong>do</strong> espaço público e, sobretu<strong>do</strong>, porque simultaneamente<br />
23 Na sua afamada teoria da ação comunicativa, em <strong>do</strong>is volumes, o autor dedica<br />
apenas algumas considerações marginais ao papel da mídia (Habermas, 1982: mm1mm4).<br />
No que diz respeito à dimensão <strong>do</strong> político, ela só foi resgatada<br />
propriamente em 1992, quan<strong>do</strong> da aplicação da sua teoria discursiva ao Esta<strong>do</strong> de<br />
direito (Facticidade e validade). Para uma análise da evolução categorial <strong>do</strong><br />
espaço público ao longo de três décadas (1962-1992) no programa de pesquisa <strong>do</strong><br />
autor, ver Gurza Lavalle (2uu4); para uma análise mais abrangente <strong>do</strong> próprio<br />
programa de pesquisa nesse perio<strong>do</strong>, ver Gurza Lavalle (1997). Os custos de tal<br />
percurso em termos da perda de capacidade crítica foram frisa<strong>do</strong>s por John ceane<br />
(1984: 214, 228-k4) e por Antoni Domsnech (1981: 26).<br />
21
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 22<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
remete ao nível mais abstrato de um fenhmeno construí<strong>do</strong> por<br />
relações, indican<strong>do</strong> sempre algumas variáveis mínimas para a<br />
determinação desse fenhmeno. Nesse senti<strong>do</strong>, embora seja possível<br />
qualificar como públicos fenhmenos inscritos em cada uma das três<br />
dimensões ! por exemplo, a transmissão televisiva de qualquer<br />
conteú<strong>do</strong> !, apenas a conjugação de todas elas constitui<br />
propriamente um fenhmeno público no senti<strong>do</strong> categorial <strong>do</strong> termo. A<br />
transmissão midiática de conteú<strong>do</strong>s, para retomar o mesmo exemplo,<br />
é mera publicitação enquanto não conecta o social e o político.<br />
A dimensão da vida pública, ou o componente social ou<br />
societário <strong>do</strong> espaço público, contempla o estágio de<br />
desenvolvimento e a especificidade <strong>do</strong> que, nem sempre de forma<br />
feliz, tem-se convenciona<strong>do</strong> chamar de sociedade civil. A intenção<br />
analítica no uso desse conceito remete à densidade <strong>do</strong> teci<strong>do</strong><br />
associativo ! urdi<strong>do</strong> livre e autonomamente por indivíduos e atores<br />
sociais !, à sociabilidade e a civilidade no convívio social,<br />
cujos efeitos operam como força capaz de incidir no controle<br />
daquelas áreas de proveito recíproco e convivência que geraram<br />
vínculo de associação ou de sociabilidade. A infindável<br />
diversidade de níveis e assuntos que constituem a ordem pública de<br />
uma sociedade pressupõe processos de institucionalização e<br />
reconhecimento político de interesses, e nesse senti<strong>do</strong> reflete<br />
como ausência ou como presença o peso da sociedade ou, com maior<br />
precisão e em termos sociológicos, da densidade societária.<br />
A dimensão política contempla o arcabouço de mecanismos<br />
institucionais para universalizar interesses e para garantir a<br />
obrigatoriedade dessa universalização perante o conjunto da<br />
sociedade. Isso equivale a focalizar, na compreensão <strong>do</strong> espaço<br />
público, os processos políticos de conquista de direitos e<br />
benefícios mediante sua cristalização no seio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ! por<br />
antonomásia o âmbito moderno de reconhecimento e imposição<br />
universal de obrigações !, dan<strong>do</strong> cabimento à pergunta pelo arranjo<br />
de interesses de longo prazo que define o perfil político <strong>do</strong><br />
22
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 23<br />
lidar com a teoria”. <strong>Espaço</strong> & Debates , v.25, p.33 - 44, 2005.<br />
próprio Esta<strong>do</strong> e que configura de mo<strong>do</strong> substantivo as<br />
possibilidades <strong>do</strong> espaço público.<br />
Por fim, a terceira dimensão abarca os processos<br />
comunicativos competentes para determinar uma realidade como<br />
pública; isto é, a comunicação no conjunto da sociedade habilitada<br />
para organizar o mun<strong>do</strong> através da divisão entre aquilo que não<br />
deixa de ser particular, mesmo se coletivo, e aquilo que 5merece”<br />
sair <strong>do</strong> anonimato ou <strong>do</strong> conhecimento de grupos mais ou menos<br />
reduzi<strong>do</strong>s para se tornar público. Parece desnecessário insistir no<br />
evidente: há sistemas de comunicação política cuja crescente<br />
importância é uma tendência em contínua expansão nas sociedades<br />
contemporâneas.<br />
No espaço público articulam-se interesses sociais, condições<br />
de institucionalização política e expedientes de intermediação<br />
comunicativa. Nestas páginas propõe-se uma compreensão <strong>do</strong> espaço<br />
público como produto da convergência das distintas dimensões com<br />
suas respectivas problemáticas, as quais não podem ser<br />
reconduzidas a um princípio ou pólo de articulação único; quer<br />
dizer, a produção <strong>do</strong> espaço público não pode ser carregada 5no<br />
la<strong>do</strong>” da sociedade civil ! tampouco apenas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> ou da mídia.<br />
A configuração <strong>do</strong> espaço público parece ser produzida na<br />
conjugação de capacidades e processos históricos em que coincidem<br />
e se descompassam a universalização institucional <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, a<br />
auto-organização da sociedade como determinação permanente da<br />
ordem pública e as formas de intermediação comunicativa com<br />
senti<strong>do</strong> público. No cerne de tais coincidências e descompassos<br />
cristaliza-se historicamente aquilo que sintetiza toda a<br />
relevância <strong>do</strong> espaço público: quem tem direito a ter direitos e<br />
como conquista, realiza e preserva esses direitos.<br />
23
Gurza Lavalle A. “<strong>As</strong> dimensões constitutivas <strong>do</strong> espaço público - Uma abordagem pré-teórica para 24<br />
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