Número 11 (jan-jun/09) - Dialogarts - Uerj
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tem seus contornos iniciais modificados pela reinterpretação. Assim, Amâncio, o comerciante de Manarairema, do romance A hora dos ruminantes (1969), tem a incumbência de intermediar as questões entre os cidadãos da cidade e a “gente estranha”, que trouxe “dor de cabeça” à comunidade: “Amâncio, agora, era uma espécie de advogado dos homens” (HR: p.39). O outro elo era aquele existente entre Serrote, o cavalo, e Geminiano, o dono da carroça puxada por Serrote, pois eles prestam serviços tanto para os homens da tapera como para a população local. A palavra serrote dicionarizada significa cortar, separar e adquire no romance mais uma acepção, pois pode ser lida, também, como um divisor de águas “pesadas, profundas e escuras” (BACHELARD: 1998, p.47). Serrote corta a cidade puxando “aquela carroça que era utensílio público” (HR: p.47). Ele se desloca de “cabeça baixa, num conformismo inconformado, [...] procurando no chão a justificativa para aquele trabalho absurdo, idiota” (HR: p.29). O trabalho “idiota” consome, corrói Serrote e o cavaleiro Geminiano, “antes tão confiante e desempenado [...], agora aquilo – um homem desmanchado na boleia, os ombros despencados, os olhos fixos nas ancas cada vez mais magras de Serrote, despreocupado do caminho” (HR: p.29). As frases curtas, objetivas são ampliadas pelo acúmulo de significação, que parte de uma relação objetiva entre a significação própria e a figurada para demarcar a falta, a negação de sentidos nas ações dos personagens. José J. Veiga – com o intuito de explorar ao máximo os efeitos de repressão em Manarairema e explicitar a imobilidade discursiva – usa verbos que denotam a degradação de ambos os personagens. Geminiano desumanizou-se, igualou-se ao cavalo gradualmente, pois está se “desmanchando”, se “despencando”. Esses e outros verbos diluem a noção de movimento crescente da palavra precisa, exata com Caderno Seminal Digital, Ano 15, Nº 11, V 11, ( Jan / Jun 2009) - ISSN 1806-9142 42
a qual o sujeito faz e encontra sentido. As informações contidas nessa linguagem reinterpretam a ausência de diálogo entre o grupo (cidadãos manarairenses) e os outros, (aqueles engravatados) que alteraram a engrenagem da cidade: “O tempo passava e nada mais acontecia [...]. Das intenções dos homens, da sua ocupação verdadeira a cidade continuava na mesma ignorância do primeiro dia” (HR: p.31). A censura apaga os limites entre os projetos individuais e coletivos, neutralizando as ações do “eu – pessoal” e do “eu – político”; cumpridor das ordens estabelecidas; massifica; oculta; silencia todo e qualquer sentido diferenciador; mantém um discurso permanente, aposta no discurso do mesmo. As vozes silenciadas na vida real pelo processo de apagamento produzido pela censura ressoam na obra de José J. Veiga e de Boaventura Cardoso. As narrativas trazem no corpo do texto circunstâncias como práticas violentas e violadoras dos direitos humanos, elas transpõem o que foi recalcado, silenciado para o espaço do contado, que redimensiona os fatos. Os produtores de discursividade buscam explodir os limites impostos e expurgar um discurso conhecido e reconhecido – monológico por natureza – ao narrarem as histórias de personagens fictícios que simbolizam uma coletividade. Sendo assim, escolhendo o polissêmico, o diferente; essas narrativas dizem “o mesmo para significar outra coisa” (ORLANDI: 2002, p.98) e dizem “coisas diferentes para ficar no mesmo sentido” (ORLANDI: 2002, p.99). Do ponto de vista estético, a linguagem de Maio, mês de Maria articula um falar culto com um falar coloquial. As frases são entrecortadas ora por expressões locais, ora por estruturas que retomam o português escrito. Num plano figurativo, as descrições familiares traduzem bem a dissonância, a desterritorialização (DELEUZE e GUATTARI: 1977, p.10) da língua e dos falantes, isto é, o isolamento lingüístico que deixa desterrado o indivíduo dentro de seu próprio território. O proces- Caderno Seminal Digital, Ano 15, Nº 11, V 11, ( Jan / Jun 2009) - ISSN 1806-9142 43
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(1969), tem a incumbência de intermediar as questões entre<br />
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à comunidade: “Amâncio, agora, era uma espécie de advogado dos homens”<br />
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O outro elo era aquele existente entre Serrote, o cavalo, e Geminiano,<br />
o dono da carroça puxada por Serrote, pois eles prestam serviços<br />
tanto para os homens da tapera como para a população local. A palavra<br />
serrote dicionarizada significa cortar, separar e adquire no romance<br />
mais uma acepção, pois pode ser lida, também, como um divisor de<br />
águas “pesadas, profundas e escuras” (BACHELARD: 1998, p.47). Serrote<br />
corta a cidade puxando “aquela carroça que era utensílio público”<br />
(HR: p.47). Ele se desloca de “cabeça baixa, num conformismo inconformado,<br />
[...] procurando no chão a justificativa para aquele trabalho absurdo,<br />
idiota” (HR: p.29).<br />
O trabalho “idiota” consome, corrói Serrote e o cavaleiro Geminiano,<br />
“antes tão confiante e desempenado [...], agora aquilo – um homem<br />
desmanchado na boleia, os ombros despencados, os olhos fixos nas ancas<br />
cada vez mais magras de Serrote, despreocupado do caminho” (HR:<br />
p.29). As frases curtas, objetivas são ampliadas pelo acúmulo de significação,<br />
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José J. Veiga – com o intuito de explorar ao máximo os efeitos<br />
de repressão em Manarairema e explicitar a imobilidade discursiva – usa<br />
verbos que denotam a degradação de ambos os personagens.<br />
Geminiano desumanizou-se, igualou-se ao cavalo gradualmente,<br />
pois está se “desmanchando”, se “despencando”. Esses e outros verbos<br />
diluem a noção de movimento crescente da palavra precisa, exata com<br />
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