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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Atuei como supervisor e multiplicador de monitores, não só nos bairros pobres do Recife,<br />

durante o governo de Arraes. Fui o único <strong>que</strong> aceitou o desafio lançado por Paulo Freire<br />

e Paulo Rosas sobre <strong>que</strong>m aceitaria aplicar seu método numa zona estritamente rural, o<br />

mais distante de qual<strong>que</strong>r núcleo urbano e, se possível, num lugar sem luz elétrica.<br />

Aceitei e fui viver por quase dois meses numa casa rústica do Engenho Batinga, nas<br />

brenhas do município de Barreiros, Zona da Mata Sul de Pernambuco, <strong>que</strong> se localizava<br />

a mais de hora e meia, de carro, por estrada de terra batida do centro da cidade de<br />

Barreiros. Lá, eu fui monitor (não se chama professor) de duas turmas de cortadores de<br />

cana desse Engenho Batinga e de um outro engenho próximo, chamado Engenho Duas<br />

Bocas, num total de noventa e poucos alunos, de ambos os sexos e diferentes idades.<br />

Movimentava-me na<strong>que</strong>las estradas escuras num burrinho <strong>que</strong> me cederam.<br />

Em menos de dois meses, essas pessoas humildes e es<strong>que</strong>cidas do mundo, estavam lendo<br />

jornais e revistas velhos e escrevendo, em caderninhos e nos bancos, embora com<br />

dificuldades, com as letras saindo-lhes “em garranchos”, porém, todos com um orgulho<br />

<strong>que</strong> dava gosto de ver.<br />

O MPF é feito com o universo vocabular do local dos aprendizandos, <strong>que</strong> o monitor<br />

pesquisa silenciosamente em longas conversas com eles. É preciso lhes ganhar a confiança<br />

e, sobremaneira, ter-lhes o máximo respeito. O Método só tem sucesso se envolver os<br />

agentes do aprendizado a discutir as suas vidas e os seus relacionamentos com o mundo<br />

da cultura, principalmente da cultura dos seus trabalhos.<br />

Saber <strong>que</strong> a foice é um bem de cultura é uma alegria. A foice passa a ser olhada com<br />

admiração e não apenas como um simples e descartável instrumento de trabalho. Logo<br />

entendem <strong>que</strong> é o trabalho deles e de todo o mundo <strong>que</strong> produz o mundo da cultura.<br />

São, portanto, todos artistas no sentido amplo. A autoestima aparece e cresce seu<br />

sentimento de dignidade. Em alguns, eram perceptíveis as mudanças na maneira de<br />

andar, de sentar, de falar, de tratar os outros.<br />

Eles se entusiasmavam quando descobriam o seu poder de se autoalfabetizar. De fato, o<br />

monitor, propriamente, caracterizava-se como um estimulador inicial, <strong>que</strong> devia fazer<br />

com <strong>que</strong> seu papel fosse, pouco a pouco, “desaparecendo” de cena. O monitor devia<br />

provocar o “incêndio” da discussão sobre o tema da aula e ir sumindo, aos poucos, da<br />

frente da turma.<br />

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