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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Um ano depois já havíamos concluído <strong>que</strong> pouco ou nada podíamos contribuir para o<br />

desenvolvimento da<strong>que</strong>le país. Era um mundo <strong>que</strong> desconhecíamos, <strong>que</strong> <strong>que</strong>stionava<br />

nossas convicções, um mundo de diversidades e contradições insolúveis, onde o marxismo<br />

parecia uma violência cultural, como morrer pela dialética. A guerra civil com<br />

componentes tribais, a imposição do português como “língua veicular” sobre dezenas de<br />

idiomas nativos <strong>que</strong> a luta pela independência havia valorizado, o combate à feitiçaria<br />

levando ao extermínio de aldeias, a dificuldade ou impossibilidade de formular um<br />

tratamento saudável e viável do racismo, a falta de quadros e técnicos, o cho<strong>que</strong> entre<br />

Estado Nacional e a realidade social, entre os conceitos ocidentais e as culturas africanas,<br />

tudo podia levar a trágicos enganos. Podíamos estar atrapalhando em vez de ajudando.<br />

E o Brasil vivia a abertura política, apesar de lenta e gradual, com o movimento pela<br />

anistia. Era hora de preparar nossa volta.<br />

A tentativa de golpe chefiada por Nito Alves tornou tudo mais dramático, com o poder<br />

arbitrário da polícia política. Três brasileiros foram presos e expulsos, acusados de<br />

envolvimento com o “fracionismo”. Foram inúteis nossos contatos no alto escalão para<br />

libertar um deles, um injustiçado evidente e um exemplo de militância solidária. A casa<br />

de outro virou butim de guerra. Estive lá mas não consegui reaver os móveis e<br />

eletrodomésticos <strong>que</strong> ele usava e <strong>que</strong> não lhe pertenciam. Ele tinha pedido <strong>que</strong> eu os<br />

devolvesse aos proprietários. Isso precipitou nossa saída em setembro de 1977.<br />

Entretanto, Angola representou um intenso aprendizado, uma revisão radical de ideias, o<br />

fim das minhas veleidades marxistas, o reconhecimento da complexidade e diversidade<br />

em todas as dimensões, a revalorização da democracia e da sociedade civil. Uma caricatura<br />

tão brutal, como arriscar vidas e o destino de um país para pôr “abaixo a metafísica”,<br />

obriga a repensar mil vezes o “<strong>que</strong>m sabe faz a hora”.<br />

Por outro lado, a sucessão de tantos golpes de Estado vividos – houve outros brasileiros<br />

<strong>que</strong> sofreram o da Argentina em 1976 e os <strong>que</strong> trabalharam no regime nacionalista<br />

instaurado pelo golpe de Velasco Alvarado, no Peru em 19<strong>68</strong> – alimentou em muitos da<br />

minha geração uma tendência à visão conspirativa dos fatos políticos. Ainda se assustam<br />

com certas declarações dos militares, algumas iniciativas do “imperialismo” na América<br />

Latina, ameaças à soberania brasileira na Amazônia. O mundo não mudou muito, mas<br />

algumas coisas mudaram. Uma é o papel político dos militares, hoje mais preocupados<br />

em legitimar sua sobrevivência.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - aNGola 661

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