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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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escaldados diziam ser “pior o ano em <strong>que</strong> o verão cai na quarta-feira”. Além disso, havia<br />

trabalhado com exilados portugueses na década de 60 e conhecido outros na Argélia,<br />

contatos <strong>que</strong> acentuavam a atração.<br />

Mas golpe militar democrático? Nem <strong>que</strong> fosse coisa de português, era minha dúvida.<br />

Logo superada pelas informações de Lisboa. E lá fomos nós, eu e o Juarezinho, numa<br />

Kombi, atravessando França, Espanha, Pirineus e neblinas, em pleno inverno de dezembro.<br />

A alegria, o entusiasmo dos portugueses com a Revolução dos Cravos, num contraste<br />

brutal com o pessimismo de antes e de hoje, a discussão permanente nas praças, as novas<br />

ideias, a tentativa de acabar com o analfabetismo de vinte por cento da população em<br />

<strong>que</strong> participamos, de instaurar certo poder popular, de animar culturalmente o interior<br />

do país, o sentimento de liberdade, a reforma agrária, a nacionalização e a libertação das<br />

colônias africanas, tudo era festa, esperança de transformações profundas. Mas não<br />

excluía idas e vindas no processo, sublevações militares, operações irregulares, uma luta<br />

intensa entre as forças <strong>que</strong> disputavam o poder sem canais institucionais definidos, isto<br />

é, sem leis e com correlações indefinidas de forças.<br />

Um dos levantamentos militares, <strong>que</strong> envolveu alguns quartéis, me surpreendeu dentro<br />

de um presídio ao sul de Setúbal, onde trabalhava na produção de um filme sobre a<br />

repressão militar na América do Sul, para uma TV alemã. Se a coisa desanda já estou<br />

encarcerado, é o <strong>que</strong> eu temia. Mas as coisas se ajeitaram, não chegou a haver troca de<br />

tiros nem se tratava bem de um golpe de Estado. Era, aparentemente, apenas o uso de<br />

tropas como argumento político, demonstrações de força, advertências contra supostos<br />

desvios da ambígua linha do Movimento das Forças Armadas. As diferenças ideológicas<br />

e políticas entre os líderes militares do 25 de Abril e entre as forças políticas em<br />

reconstituição ou em formação conduziam à democracia representativa. É emblemática<br />

uma cena do filme Capitães de Abril, de Maria Medeiros, em <strong>que</strong> os tan<strong>que</strong>s golpistas<br />

interromperam sua marcha sobre Lisboa, onde iriam derrubar o regime salazarista,<br />

por<strong>que</strong> encontraram um sinal vermelho e esperaram-no esverdear.<br />

A eleição do Presidente Ramalho Eanes, um moderado com tendências conservadoras,<br />

em novembro de 1975, refletiu o fim do chamado “processo revolucionário em curso” e<br />

o arrefecimento do entusiasmo transformador. Isso nos encaminhou quatro meses depois<br />

a Angola, onde tínhamos velhos conhecidos da Argélia entre os heróis da independência,<br />

novos dirigentes. Continuar a perseguir sonhos de revolução e ajudar a construir uma<br />

nova nação <strong>que</strong> se pretendia socialista era tentador. Moçambi<strong>que</strong> atraiu muitos mais<br />

brasileiros exilados, talvez uns mil.<br />

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