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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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país. Rebatem a acusação de “fracionismo”, dizendo <strong>que</strong> os principais governantes é <strong>que</strong><br />

se desviaram dos princípios marxistas e do programa do MPLA, sendo, portanto, os<br />

verdadeiros responsáveis pela divisão do partido. Tudo numa linguagem meio<br />

“ambaquista” (termo popularizado por um escritor, referindo-se a jargões eruditos, como<br />

o juridiquês, decorado e usado por populares, sem compreensão do seu significado).<br />

Após longas explicações sobre a luta interna do MPLA e informações sobre multidões nas<br />

ruas protestando, uma voz infantil lê o manifesto dos golpistas. A escolha de um menino<br />

como locutor se justificava. Os pioneiros eram um símbolo vivo da luta pela independência.<br />

Com suas espingardas artesanais e vestindo fardas militares de camuflagem,<br />

desproporcionais por<strong>que</strong> eram de adultos, cumpriram um papel heróico e simpático na<br />

Batalha de Luanda, <strong>que</strong> garantiu o controle da capital para <strong>que</strong> o MPLA assumisse o<br />

poder.<br />

O manifesto condenava o governo por seus desvios “social-democratas” e conclamava o<br />

povo a seguir a autêntica revolução <strong>que</strong> começava na<strong>que</strong>le instante. “Abaixo a metafísica,<br />

viva a dialética” era a palavra de ordem final. Parece loucura num país nascente com<br />

oitenta e cinco por cento de analfabetismo. Mas dialética tinha virado uma panaceia, a<br />

solução de todas as <strong>que</strong>stões, o divisor entre erro e acerto. Exemplo: se o motorista de<br />

um carro recusava uma carona, alegando <strong>que</strong> ia na direção contrária, ouvia um argumento<br />

definitivo: “o camarada não está a ser dialético”. Bastava deixar de ser “metafísico” para<br />

entender <strong>que</strong> valia a pena dar uma volta pela cidade para ajudar uma vítima da absoluta<br />

falta de transporte coletivo. Refletia a doutrinação oficial do MPLA <strong>que</strong> impunha um<br />

marxismo tão artificial e violentador, na<strong>que</strong>la realidade africana, quanto o fora a<br />

catequização católica.<br />

O apelo à dialética foi seguido de outro fato insólito na difusão radiofônica. Tapas e<br />

gritos ganharam o ar através do microfone aberto. O choro do menino foi logo seguido<br />

por uma voz enérgica: “Presidente, la radio está bajo control de fuerzas leales”. Devem<br />

ter sido outras as palavras, mas com este sentido, uma mensagem de missão cumprida ao<br />

presidente Agostinho Neto. O sota<strong>que</strong> era claramente cubano. Os militares cubanos, <strong>que</strong><br />

haviam sido decisivos em conter a ofensiva sul-africana ao sul de Luanda nas vésperas<br />

da independência, estavam de novo em ação, fiéis no apoio a Neto conforme o acertado<br />

com Fidel Castro.<br />

Os soviéticos apoiavam Nito Alves. A Guerra Fria não impediu <strong>que</strong>, neste caso, Cuba e<br />

União Soviética estivessem em campos opostos. Um funcionário da embaixada soviética<br />

<strong>que</strong> era nosso vizinho no Prédio da Cuca tentou resistir à detenção pela polícia política<br />

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