06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

de Cabinda), guerrilha da província angolana separada do resto do país pela estreita<br />

saída do Congo ao Atlântico.<br />

Novamente desperto pela violência, ligo o rádio e o gravador de boa qualidade <strong>que</strong><br />

estava à minha disposição, como funcionário do MPLA. Ainda não havia informações<br />

claras sobre o <strong>que</strong> estava ocorrendo. Vou à janela. Morávamos no prédio da Cuca, perto<br />

do centro de Luanda, separado do Mercado Kinaxixi por uma pracinha.<br />

Do nosso andar, acho <strong>que</strong> era o quarto, deu para ver os tan<strong>que</strong>s passando. Mas um deles<br />

tinha subido na calçada e parou com o canhão embicado numa janela da sobreloja do<br />

Kinaxixi. Que estaria pretendendo a<strong>que</strong>le tan<strong>que</strong>? Iria disparar para dentro do mercado,<br />

vazio à<strong>que</strong>la hora matutina e conturbada? Alguns minutos de imobilidade, seguidos de<br />

avanços e recuos, e deduzi <strong>que</strong> estava ali, evidentemente, um condutor de tan<strong>que</strong><br />

improvisado.<br />

A situação era mais cômica por<strong>que</strong> a uns cin<strong>que</strong>nta metros, na avenida à es<strong>que</strong>rda da<br />

praça, havia no alto de um imenso bloco de cimento dois tan<strong>que</strong>s em cho<strong>que</strong> frontal, um<br />

deles subindo sobre o outro. Homenageava o heroísmo de um “tanquista” do MPLA <strong>que</strong>,<br />

sem munição ou sem condições de disparar, atropelou o blindado da FNLA como último<br />

recurso para barrar o avanço da cavalaria inimiga sobre Luanda, a poucos quilômetros da<br />

cidade e às vésperas da independência angolana formalizada em 11 de novembro de<br />

1975. Era a “trepada dos tan<strong>que</strong>s”, ironizavam os irreverentes, desafiando o patriotismo<br />

reinante num país em construção. O tan<strong>que</strong> <strong>que</strong> eu via ameaçando a janela do Kinaxixi<br />

punha em dúvida a versão oficial expressa no monumento. Pode ter sido apenas uma<br />

trombada involuntária <strong>que</strong> deu certo.<br />

Ver as hesitações da<strong>que</strong>le tan<strong>que</strong> me tranquilizou um pouco. Não podia dar certo um<br />

golpe com forças armadas ainda em formação. Mas a coisa era séria. O principal alvo dos<br />

golpistas era Lucio Lara, secretário geral do MPLA, meu chefe indireto. Eu trabalhava com<br />

sua mulher, Ruth Lara. Alguns militantes me identificavam como “o chinês do Lara”, o<br />

<strong>que</strong> acrescentava outro risco, por<strong>que</strong> a China tinha apoiado a UNITA na batalha pela<br />

independência. Os chineses não eram bem vistos ali. E <strong>que</strong>m em Angola iria distinguir um<br />

nissei de um chinês?<br />

Volto à Rádio Nacional e, depois de notícias desencontradas, uma reviravolta. Os<br />

microfones estão com os golpistas falando em nome dos “verdadeiros revolucionários”<br />

<strong>que</strong> foram levados à ação pela traição ao socialismo por uma parte dos dirigentes do<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - aNGola 657

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!