06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

gozação, mas depois entenderam. Como desconhecia o lugar onde moravam, eu <strong>que</strong>ria<br />

instruções para dar ao motorista do táxi. Desci do veículo em uma pracinha a poucos<br />

metros da casa deles, onde meu <strong>que</strong>rido pai estava esperando por mim. O papai era um<br />

cara legal, apesar de muito rígido e severo, herança espanhola. Chovia a cântaros. Na<br />

esquina, ele ria sozinho sob o guarda-chuva aberto.<br />

Alegria. Alegria. Alegria do reencontro com a família. A mamãe... só risos. Abraços. Beijos.<br />

Muita conversa... Risos. Explicações. Assim <strong>que</strong> cheguei telefonei para a minha<br />

<strong>que</strong>ridíssima Margot e para o Simões. Ex-sogros. Ouvi falar <strong>que</strong> no Direito Civil não existe<br />

a figura do ex-sogro ou ex-sogra. Sogro e sogra são para sempre. No meu caso, eram<br />

grandes amigos <strong>que</strong> conquistei, família <strong>que</strong> adotei e pela qual fui adotada. Só alegria,<br />

acolhimento, carinho.<br />

A televisão estava ligada. Noticiário. Na máquina de fazer doidos, vociferava o general<br />

Geisel, qual Pinochet. Era dia 1º de abril de 1973. Ele, por meio do AI-5, fechara o<br />

Congresso e decretara uma série de reformas constitucionais, o chamado “Pacote de<br />

Abril” <strong>que</strong> estabelecia, entre outras medidas: 1- entre os dois senadores a serem eleitos<br />

em cada estado um deveria ser escolhido indiretamente, o <strong>que</strong> levou a ficarem conhecidos<br />

como “senadores biônicos”; 2- os governadores continuariam a ser escolhidos por<br />

eleições indiretas; 3- o mandato do sucessor do presidente fora aumentado para seis<br />

anos. Quer dizer: a “abertura”, a distensão, a democratização foram “pras picas”. Levei o<br />

maior susto. Chocada. Caralho! No dia da minha chegada. “Pacote de Abril”! Puta <strong>que</strong> o<br />

pariu!<br />

Naturalmente, o discurso do nojento acinzentou a<strong>que</strong>le momento de carinho, muito<br />

afeto, com meus pais, com o país. Cho<strong>que</strong> de realidade. Medo. E agora?<br />

Bom. No dia seguinte encontrei com a Margot e o Simões. Só alegria. Conversas,<br />

conversas. Nesse tempo, passei vários dias na casa deles. Dormia lá, saía com eles... Ficava<br />

na casa dos meus pais ou na casa da Margot. De qual<strong>que</strong>r forma, como se falava na<strong>que</strong>la<br />

época, eu vivia grilada, desconfiada. Foi uma merda.<br />

Comi tudo de <strong>que</strong> tinha saudades: abóbora com carne-seca, tutu de feijão, feijoada de<br />

verdade feita pela minha mãe, aipim frito, chuchu com molho de macarronada (sem<br />

macarrão), quiabo, jiló, farofa de verdade, bacalhoada, goiaba branca, mamão amarelo,<br />

banana ouro, sei lá... Doce de abóbora com coco, goiabada cascão, canjica, doce de leite<br />

condensado, água de coco, brigadeiro, caldo de cana... Que luxo! E as vozes? As vozes dos<br />

650

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!