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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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efugiados na cidade de Alvesta, permanecemos lá até fins de janeiro ou inícios de<br />

fevereiro de 74, quando nos mudamos “definitivamente” para a capital. A Lilliam e o<br />

Jaime escolheram Gotemburgo, onde tínhamos passado o Natal.<br />

Enfim, o fim das perseguições. Imaginávamos <strong>que</strong> ali poderíamos viver tranquilos.<br />

Tínhamos casa confortável, estudos garantidos e ajuda econômica ou bolsa para<br />

estudantes. Curso de Sueco intensivo, na Universidade de Estocolmo, especialmente<br />

criado para nós, oriundos do Chile. Maravilha de vida material. Todo amparo e facilidades.<br />

Tínhamos, como declarei, tudo.<br />

E a cabeça? E a cuca? E as fantasias? E as angústias? E os sonhos? E os pesadelos medos<br />

gritos noturnos? E o turbilhão de imagens, sentimentos, recordações, carências, lugares<br />

situações dos últimos meses? E as expectativas? Mudanças radicais em curtíssimo tempo.<br />

Meu universo, minha vida, casa, amigos, família, trabalhos, estudos, vozes, lugares,<br />

cheiros, sabores, pessoas <strong>que</strong>ridas, rotina, tudo ficara em alguma área nebulosa do<br />

passado, ponto de encontro de recordações no tempo/espaço. Mundinho perdido nas<br />

emoções em frangalhos. E a luta contra a ditadura? O Terror de Estado imperava sem<br />

tréguas no Brasil. Mudanças de espaço sem tempo para elaborar, refletir, conscientizar,<br />

relaxar. Se parasse para pensar, eu poderia ter sido morta. Simples. Até chegar à<br />

Escandinávia não tivera tempo de raciocinar.<br />

O Dicionário Aurélio define a secreção aquosa, levemente alcalina, de glândula lacrimal,<br />

<strong>que</strong> serve para umidificar a conjuntiva como lágrima. Sei. Minhas ideias, fre<strong>que</strong>ntemente,<br />

segregavam tal líquido. Mulher pode. Não <strong>que</strong> eu vivesse choramigando pelos cantos,<br />

mas compreendia <strong>que</strong> isso era prerrogativa feminina.<br />

Tive muita sorte em ir para a Suécia. Acho <strong>que</strong> se tivesse ido para outro país, sem os<br />

apoios institucionais <strong>que</strong> tivemos, eu teria fatalmente pirado. Será?<br />

No início eu não sentia saudades. Tudo novo: casa, cheiros, idioma, pessoas, vegetação,<br />

continente, clima, roupas, objetos, comida, transportes, faculdade... Céu. Descobri <strong>que</strong> o<br />

Gonçalves Dias tem razão: “nosso céu tem mais estrelas”, na sua romântica Canção do<br />

Exílio... Fi<strong>que</strong>i muito impressionada, pois tudo funcionava e bem. O telefone dava linha,<br />

o ônibus chegava na hora, a janela abria e fechava, os correios eram pontuais, o fogão<br />

elétrico era lindo... Na<strong>que</strong>las circunstâncias, saudade não rimava com novidade.<br />

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