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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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golpe. Acordados pela Lenise, e pela voz do Allende em sua despedida no rádio. Como já<br />

expli<strong>que</strong>i em outro texto, saímos, disfarçadamente, dois a dois, para a casa da Lilliam e<br />

do Jaimão.<br />

Invadiram o “nosso” apartamento, levaram meu passaporte junto com tudo de valor e<br />

fomos presos no dia 12, sete jovens: quatro rapazes e três moças. Após muita violência,<br />

gritos, porrada, ameaças “Cadê as armas?” “Manos arriba” “Vão todos morrer!” “Cadê as<br />

armas?”... fomos levados, empurrados para o terraço do edifício para sermos fuzilados.<br />

Depois do fuzilamento simulado, o Luiz Carlos e os outros três foram presos pelos<br />

carabineros. E eu, Lilliam e Leyla? E nós? E nós? A gente dormia agarradinhas, as três.<br />

TERROR.<br />

Até hoje, com 63 anos, 37 anos depois, afirmo <strong>que</strong> passei no Chile os piores dias da minha<br />

vida, como já relatei. Não se podem comparar sofrimentos de pessoas diferentes. Ali,<br />

permanecer viva depois do golpe era uma façanha incalculável. Tiros, estrondos, rajadas<br />

de metralhadoras dia e noite. Brasileira, recém saída do Brasil, da Argentina, recém<br />

chegada no Chile, em outro país-lugar desconhecido, com o companheiro e mais centenas<br />

de amigos presos, quase magra, com bunda e alta para o padrão chileno, falando péssimo<br />

espanhol... Era impossível passar por chilena. Só terror. Saímos para jogar fora uma bolsa<br />

com livros. Sufoco puro. Certa vez, fingimos <strong>que</strong> éramos francesas e saímos falando<br />

francês. Um dia a Nazaré nos levou até a Cruz Vermelha e, lá, tivemos as três um ata<strong>que</strong><br />

de riso histérico, sentadas em um banco, no corredor do lado de fora. Não conseguíamos<br />

parar de rir, quais loucas. Tenho até hoje um “documento” <strong>que</strong> me deram. Estava sob a<br />

“proteção” da Cruz Vermelha. Nem falando palavrão expressaria minha angústia, medo,<br />

incerteza.<br />

Não tínhamos a menor ideia de onde ou como estavam nossos companheiros, se vivos ou<br />

mortos. Tudo levava a crer <strong>que</strong> se encontravam no Estádio Nacional. Só terror. Calculo<br />

<strong>que</strong>, mais ou menos, no dia 29 de setembro entrei com a Lilliam no Refúgio de Padre<br />

Hurtado onde havia cerca de quinhentos estrangeiros latino-americanos. As embaixadas<br />

europeias cuidaram muito bem dos seus filhos e de outros latinos. Nossa segurança ali<br />

era pura ficção. Até terremoto tivemos como tempero na<strong>que</strong>la ensalada de pessoas<br />

todas perseguidas, com ou sem delírio.<br />

Meados de novembro, dia 18 ou 19, aterrissamos em Estocolmo, cercados de neve por<br />

todos os lados. Lindíssima paisagem, ines<strong>que</strong>cível. A primeira palavra <strong>que</strong> aprendi e falei<br />

em sueco foi tack <strong>que</strong> significa, em português, obrigada. Transportados para o campo de<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - SUÉCia 645

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