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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Agora, vejam vocês. Havia todo um grupo nas mesmas condições <strong>que</strong> eu. Por <strong>que</strong> o<br />

funcionário americano foi invocar logo comigo, e apenas comigo? Achei aquilo uma<br />

tremenda injustiça. Entre os brasileiros havia até um banido. Pois o banido passou e eu<br />

fui preso. Muito estranho os critérios dos nossos vizinhos do norte. Por <strong>que</strong> eu? Até hoje<br />

não tenho uma explicação plausível. Eu fora um militante apagado, com escassas e<br />

secundarias atuações nas lides da clandestinidade. Por <strong>que</strong> eles <strong>que</strong>riam a mim e não ao<br />

banido? Nunca imaginei <strong>que</strong> eu pudesse ser matéria de interesse para a CIA ou o FBI. De<br />

certa forma, isso era até motivo de lisonja para mim. Ou será <strong>que</strong> eles se enganaram de<br />

pessoa?<br />

Fui algemado e conduzido a um canto sob a mira do revólver de um guarda do aeroporto.<br />

Logo se formou uma aglomeração de curiosos. Invariavelmente, perguntavam ao guarda<br />

<strong>que</strong>m era eu. O guarda, muito excitado, dizia <strong>que</strong> eu era um terrorista perigoso. Tentei<br />

argumentar <strong>que</strong> terrorista, talvez; mas perigoso, não, pelo amor de deus! O guarda, um<br />

sujeito baixinho, gordinho, meio ridículo, de descendência hispânica, pôs-se possesso e,<br />

num espanhol de meter medo, mandou, ameaçador, <strong>que</strong> eu calasse a boca. Olhei para o<br />

cano do revólver <strong>que</strong> ele apontava para o meu nariz e achei melhor ficar quieto. Mas,<br />

sabe como é, numa situação dessas, a tendência é a gente ficar com vontade de mijar<br />

(isso quando o sujeito tem dignidade e não se caga todo). Disse ao guarda <strong>que</strong> precisava<br />

ir ao mictório. Ele ficou me olhando como se eu estivesse dizendo algo sem sentido.<br />

Expli<strong>que</strong>i <strong>que</strong> sofria de incontinência urinária, <strong>que</strong> já não aguentava mais e <strong>que</strong> iria<br />

urinar nas calças ali mesmo. Diante da minha ênfase, ele me conduziu ao banheiro.<br />

Acontece <strong>que</strong> eu estava com as mãos algemadas nas costas. Fiz ele ver <strong>que</strong> eu precisa de<br />

ajuda para abrir a braguilha e direcionar o jato de urina para o recipiente adequado. Ele<br />

fez uma cara de nojo. Hesitou por um momento. Finalmente, decidiu liberar as minhas<br />

mãos para <strong>que</strong> eu fizesse por mim mesmo o <strong>que</strong> de outro modo as mãos dele teriam de<br />

fazer por mim. Dei uma longa e prazerosa mijada, o <strong>que</strong> aliviou a minha tensão.<br />

O local aonde fui levado em seguida era uma cela ampla, nas instalações do próprio<br />

aeroporto, <strong>que</strong> estava lotada com africanos e asiáticos (talvez mais asiáticos do <strong>que</strong><br />

africanos). Não havia camas, de modo <strong>que</strong> me acomodei num banco, certo de <strong>que</strong>, em<br />

meio à<strong>que</strong>la balbúrdia, no dia seguinte ninguém mais saberia informar <strong>que</strong>m era eu e o<br />

<strong>que</strong> estava fazendo ali. Nessas situações, costumo ser acometido de uma sonolência<br />

irreprimível. Dormi. Fui acordado no dia seguinte por um sujeito <strong>que</strong> poderia muito bem<br />

ser o Agente 007: alto, forte, loiro, de olhos azuis, impecavelmente bem vestido de terno<br />

e gravata, de trato cordial, falava um português gramaticalmente correto e sem sota<strong>que</strong>.<br />

Perguntou se eu aceitava partir num voo para Amsterdã <strong>que</strong> saía em quinze minutos.<br />

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