06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Joaquim Belo é meu irmão. Parece milagre! Aliás, foi ele <strong>que</strong> escolheu meu nome, Inêz,<br />

<strong>que</strong> me cai muito bem, mas isso é outra história <strong>que</strong> contarei em outro momento.<br />

Assim, minha família e companheiros meus mobilizaram-se e ajudaram minha irmã a ir<br />

a Buenos Aires. Ela foi ao ACNUR e ouviu a mesma conversa. Ouviu <strong>que</strong> havíamos sido<br />

mortos na tortura. Contaram a ela, com detalhes, todas as torturas <strong>que</strong> eu havia vivido,<br />

demorando-se, sadicamente, em um detalhe: <strong>que</strong> me haviam até arrancado um seio, na<br />

porrada. Uma sacanagem!<br />

Na realidade, eu fi<strong>que</strong>i tremendo nas bases com a vinda da minha irmã. Era, de fato,<br />

muito perigosa a situação na Argentina, onde familiares “desapareciam” todos os dias<br />

pelo simples fato de <strong>que</strong>rerem saber onde andavam os “desaparecidos”. A nossa liberdade<br />

era uma <strong>que</strong>stão de tempo, por<strong>que</strong>, uma semana depois da nossa prisão, a Bélgica<br />

oferecera asilo político a mim e a Abi, em uma lista de chilenos. Na época não <strong>que</strong>riam<br />

conversa com os “terroristas” argentinos.<br />

Saímos, graças à luta dos companheiros uruguaios anarquistas, aos Tupamaros, aos<br />

irmãos colorados, a Dom Helder Câmara, a José Ibrahim, a Juarez de Maia, a Antonio Lira,<br />

à ação da Anistia Internacional, à minha mãe, aos meus irmãos, a Roberto Freire, a Luiz<br />

Paulo Viana. Como o Zé Antonio fora libertado e viajara para a França, denunciou nossa<br />

situação ao chegar à Europa. Estávamos, no entanto, à disposição do todo poderoso PEN,<br />

Poder Executivo Nacional, <strong>que</strong> decidiria quando sairíamos e se sairíamos!<br />

Foi super legal receber a presença da minha irmã, mesmo assombrada, de olhos<br />

arregalados, <strong>que</strong>rendo provas de <strong>que</strong> não me haviam arrancado um seio. Trouxe-me<br />

fotos da família, <strong>que</strong> eu escondi cuidadosamente, mas, quando podia, mostrava às<br />

companheiras com orgulho. Já era, então, depois do golpe de estado na Argentina. Os<br />

milicos tinham tomado conta da prisão de Villa Devoto e éramos, com certeza, reféns<br />

deles.<br />

Ameaçavam-nos. “Tudo o <strong>que</strong> acontecer lá fora, vocês pagam aqui dentro”. Referiam-se<br />

aos atentados da es<strong>que</strong>rda. Em seguida, ocorreu uma requisa nas celas, isto é, faziam-se<br />

revistas em todas as celas à procura de material subversivo. Nessas requisas, humilhavamnos<br />

e nos tiravam, roubavam tudo o <strong>que</strong> possuíamos, por pura maldade. Encontraram as<br />

fotos da minha família trazidas pela minha irmã. Armou-se um buruçu indescritível entre<br />

os milicos e eu. Um dia contarei esta história pois é muito engraçada, apesar de tudo. Eles<br />

levaram a melhor, claro, e as fotos. Fui castigada durante dois meses por “dissimulação<br />

de material subversivo” e “ameaças contra o pessoal militar”. Como as companheiras<br />

protestaram pelo injusto castigo, a prisão inteira foi punida, já não lembro por quanto<br />

608

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!