06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Um exagero total, <strong>que</strong> provocou gargalhadas nos convivas. A sacana tirou o efeito<br />

surpresa e a nossa ação, do sério. Como de hábito nos olhamos, contamos até três e<br />

sumimos na poeira, antes <strong>que</strong> chamassem os milicos.<br />

Na casa de Leia, vinha todo tipo de gente, mas o centro das atrações era nosso amigo<br />

Arnaldo, com suas artimanhas e facetas mil, sempre pronto a arrumar uma bruzundanga<br />

para nos divertir. A mais gostosa das lembranças da<strong>que</strong>le ano foi a vizinha, dona<br />

Magdalena. Ela adorava o Brasil e, certa vez, viu uma reportagem sobre o candomblé e<br />

ficou interessadíssima. Como, ali, éramos negros ou puxando para isso, ela, na sua cabeça<br />

delirante, nos promoveu ao posto de babalorixá, mãe grande, mãe pe<strong>que</strong>na, iaô ou filha<br />

de santo, sei lá o <strong>que</strong> mais. Misturava os termos e confundia as funções. Era loura<br />

oxigenada, gorda e viúva. <strong>Queria</strong> arranjar um namorado mas, pela idade já avançada, não<br />

arrumava nem gripe.<br />

Ela deu de nos perturbar para fazer uma macumba, para atrair um senhor <strong>que</strong> morava<br />

em frente, seu Isidoro, seus 70 anos bem somados. Ele andava dando sopa. Dando sopa,<br />

forma de dizer, pois, para ela, não saía nem colher de chá, quanto mais de sopa.<br />

Na casa da dona Magdalena, tinha um assentamento como manda o figurino: com vela,<br />

charuto, cachaça, pipoca, incenso. Na parede, um cartaz enorme de um africano muito<br />

bonito, <strong>que</strong> ela dizia ser um preto velho. Bom, cada doido com seu tema. A gente ia na<br />

conversa dela e receitava banho de cheiro com cravo, perfumes, canela, alecrim, rezas e<br />

puçangas diversas. Nas sextas, vestia-se de branco, tomava o Amaci (banho ritual, feito<br />

de ervas) e punha os balangandãs (ornamentos de prata <strong>que</strong> as negras trazem pendentes<br />

na cintura, nos dias de festa). Parecia uma autêntica baiana.<br />

Nessa época, lembro <strong>que</strong>, além de Roberto Carlos, Vinícius de Moraes estava na moda na<br />

Argentina. Havia saído um disco com cantos afros para Ossanha, lamentos de Exu. A<br />

gente dava para ela ouvir, à guisa de pontos de caboclo, na falta dos originais. Ela<br />

escutava aquilo seriamente e se dedicava cada vez mais ao seu culto.<br />

Atanazava-me demais da conta por um despacho. Despacho para <strong>que</strong>m não conhece é<br />

feitiço, canjerê, macumba, ebó, coisa-feita. O ebó ou despacho é nossa herança de<br />

procedência africana. Hoje, pensando nisso, acho <strong>que</strong> a gente nem atinava <strong>que</strong> estava<br />

fazendo prosa sem saber.<br />

602

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!