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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Leia entra no banheiro aos berros:<br />

- Chama a ambulância, Neguinha (este era meu apelido). Arnaldo cortou as veias!<br />

Corro lá para ver e está ele na banheira, sangue até nas paredes, parece mesmo morto<br />

dentro da água encarnada. Está nu, a língua azul de fora. Um espetáculo estarrecedor.<br />

Corro ao telefone e dou um freio, quando ouço a risada safada do Arnaldo, <strong>que</strong> salta de<br />

dentro d’água com os colhões “mercurizados”. Tinha posto mercúrio cromo na água do<br />

banho e quando nos ouviu entrar se fingiu de morto, com a língua azul de fora (tinta),<br />

parecia um carneiro degolado. Uma praga no capim! Edna ficou uma fera, só faltou bater<br />

nele. Eu ria, mas ao mesmo tempo achava aquilo meio esquisito. Quem simula, dissimula,<br />

eu pensava.<br />

- Pô, cara, numa dessas tu morre mesmo e ninguém vai acreditar, feito a história do<br />

mentiroso.<br />

Ele ria, irresponsavelmente, sem se incomodar com nossa raiva ou medo.<br />

Pois bem, repito pelo <strong>que</strong> eu soube, um dia deu-se de ele morrer do jeito <strong>que</strong> viveu:<br />

vestido de palhaço. Na Bahia.<br />

Arnaldo era dono de uma risada fenomenal, <strong>que</strong> nos fazia sonhar com carnavais os quais,<br />

diga-se de passagem, estávamos sem esperanças de voltar a ver... há anos, por causa da<br />

ditadura <strong>que</strong> assolava o país do carnaval.<br />

Nem lembro como o conheci, acho <strong>que</strong> ele veio com a Leia ao refúgio da ACNUR (Alto<br />

Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), onde nos colocaram depois do golpe<br />

do Chile. Ficava em Buenos Aires. Não me lembro mais de sua exata localização. Leia era<br />

carioca, também exilada. Tinha seus 58 anos, e andava sempre com um sobrinho a<br />

tiracolo. Ninguém nunca soube se eram verdadeiros sobrinhos ou amantes jovens. Em<br />

todo caso, ela os apresentava como seus sobrinhos. Havia-os de todas as cores. Arnaldo<br />

era um dos seus sobrinhos. Mais tarde, quando a visitei no Rio, morava com outro<br />

sobrinho, também jovem, mas completamente branco.<br />

Na sua casa, em Buenos Aires, acampavam todos os deserdados da revolução do faz-deconta<br />

da América Latina. Chilenos, brasileiros, argentinos e de outras paragens. Aos<br />

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