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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Havia apenas dois banheiros. E filas intermináveis. Alguém propôs <strong>que</strong> entrassem duas<br />

pessoas de cada vez. Interveio, então, a mulher do médico do Allende <strong>que</strong> ponderou ser<br />

indispensável garantir um mínimo de privacidade individual. Tinha toda razão. As filas<br />

continuaram.<br />

A essa altura, já éramos mais de 300. Tudo cercado. Como entravam? Não sei. Pulando<br />

pelo muro dos fundos, dos lados. Mas era tudo tão vigiado...<br />

As situações vividas eram inéditas. Desde o comportamento perante o trabalho. Havia,<br />

por exemplo, um casal <strong>que</strong> passava o tempo todo deitado num sofá. Quando um saía, o<br />

outro guardava o lugar. Não faziam absolutamente nada. Nós os chamávamos de<br />

“horizontais”.<br />

Nós nos juntávamos à noite, para cantar, tocar violão. Brasileiros e uruguaios cantavam<br />

todo tipo de música, interrompida pelos helicópteros <strong>que</strong> lançavam fogos de bengala.<br />

Ríamos, contávamos piadas. Os chilenos ficavam muito chocados. Creio <strong>que</strong> pensavam<br />

<strong>que</strong> não nos importávamos com a tragédia do golpe, pois não era nosso país. Não era<br />

isso. Para nós, era outra derrota. Começar tudo de novo. Um horror. Mas a música<br />

funcionava como um exorcismo. Ajudava. Diversidades culturais.<br />

Tínhamos <strong>que</strong> comer com as mãos. Os chilenos, envergonhados, ficavam de frente para<br />

os muros. Com sua paciência, Japa fez uma faca e um garfo para mim, de casca de<br />

madeira. Um perfeito cavalheiro.<br />

Havia uma grande incerteza. Seríamos autorizados a deixar o Chile? A embaixada seria<br />

invadida?<br />

Enquanto isso, o quotidiano mostrava o <strong>que</strong> há de melhor e pior em cada um de nós. Rui<br />

Mauro Marini oferecia gotas de um perfume francês aos amigos. Havia uma gorda do<br />

ABC paulista <strong>que</strong> se oferecera para ajudar na cozinha para poder comer escondido. Ela<br />

foi flagrada com um ovo cozido inteiro na boca. A nicaraguense Maira, grávida de três<br />

meses, mulher de Cláudio Galeno, primeiro marido da hoje Ministra Dilma Roussef,<br />

ocultou sua gravidez para não usufruir nenhum privilégio. Alguns velhos sindicalistas<br />

brasileiros passavam o tempo jogando terra em cima de escarros e cuspidas, para<br />

preservar crianças <strong>que</strong> estavam começando a andar.<br />

Betinho teve uma hemorragia, gritamos todos, pedindo gelo, até sermos atendidos.<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - CHile 597

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