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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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A comissão de médicos militares concluiu o óbvio. A situação da embaixada era um<br />

problema de saúde pública, grave. Deveríamos ser transferidos. Como? Para onde?<br />

Theotônio dos Santos, sua mulher Vânia Bambirra e seus filhos Nádia e Ivan estavam no<br />

Chile desde 1965. Professores da Universidade de Brasília foram forçados a exilar-se.<br />

Vânia com Nádia pe<strong>que</strong>nininha. Ivan nasceu no Chile. Lá foram professores, jornalistas,<br />

engajados de corpo e alma na construção do socialismo democrático de Allende.<br />

Theotônio, um otimista incurável, me lembra um personagem do Ziraldo, Zacarias, o<br />

bom. Para dar uma ideia, dizia <strong>que</strong> o regime militar brasileiro instalado em 1964 duraria<br />

uns seis meses. Ao receber uma pe<strong>que</strong>na herança, por morte de parente, com o câmbio<br />

enlou<strong>que</strong>cido, no Chile, o dinheiro virou uma quantia respeitável. O casal, <strong>que</strong> nada tinha<br />

de seu, decidiu comprar uma casa antiga, com um grande terreno, necessitada de<br />

reformas. Tinha um piscinão, bananeiras, um quartinho no meio do terreno, tudo caindo<br />

aos pedaços. Mal começaram as reformas e BUM, houve o golpe.<br />

Então, Theotônio ofereceu a casa ao embaixador do Panamá, <strong>que</strong> aceitou, e transferiu la<br />

vaina para a casa da família, após longas negociações com a Junta Militar <strong>que</strong> governava<br />

o Chile.<br />

O traslado em si já foi uma aventura. Segundo soube pelas visitas, depois, foi televisionado.<br />

Saía uma pessoa do apartamento, entrava escoltada no ônibus, um carabineiro anotava,<br />

o ônibus partia, a pessoa descia escoltada, um carabineiro anotava, entrava na casa do<br />

Theotônio. Mistério. Saíram 271 indivíduos do apartamento. Chegaram 273 ao novo<br />

endereço. Não me perguntem como. Não sei. Mas foi assim.<br />

A casa era grande, mas não cabia todo mundo. Continuamos a dormir por turnos. Fazia<br />

ainda muito frio, de noite, mas resolvemos ocupar o terreno e tentar dormir a noite<br />

inteira, apesar dos helicópteros <strong>que</strong> sobrevoavam o bairro. Conseguimos alguns sacos de<br />

dormir e alguns cobertores. Vários preferiram a piscina, Mário Japa e eu entre eles. Na<br />

ex-futura casa de bonecas da Nádia, Angelina organizou uma enfermaria. Saía com uma<br />

bandejinha distribuindo vitaminas e complementos alimentares.<br />

Organizamos as equipes de limpeza e cozinha. Com raras exceções, os mais dispostos<br />

eram as mulheres brasileiras e os homens uruguaios. Criamos uma espécie de alfândega,<br />

na entrada da casa. Tudo <strong>que</strong> chegava de organismos internacionais, embaixadas, era<br />

dividido entre todos, segundo as necessidades de cada um. Tudo <strong>que</strong> chegava para uma<br />

pessoa específica era encaminhado para o almoxarifado coletivo. A pessoa recebia apenas<br />

dez por cento. Por exemplo, de um pacote de cigarros, esta fumante inveterada <strong>que</strong> vos<br />

fala recebia somente um maço. Depois, recebia a ração de cada fumante. Era justo.<br />

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