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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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posicionar-me embaixo de um portal caso ocorresse algum sismo. Gravei bem na minha<br />

memória as recomendações.<br />

Entrei no Refúgio de Padre Hurtado, improvisado em um convento, no fim de setembro,<br />

talvez dia 29 ou 30. Acompanhada da Lilliam e do meu <strong>que</strong>rido sempre sogro, Oscar<br />

Simões, hoje com mais de noventa anos, <strong>que</strong> nos levara até lá. Mortos de medo, todos. O<br />

Simões tinha entrado no Chile depois <strong>que</strong> se abriram as fronteiras, após o violento golpe<br />

de 11 de setembro de 1973. Rajadas de metralhadora era o som <strong>que</strong> se ouvia. Som de<br />

tiros.<br />

Em seguida, o Simões voltou ao Brasil com os pais do Jaimão com <strong>que</strong>m tinha viajado ao<br />

Chile. Lembro-me, como se fosse hoje, da Dona Cecy, mãe do Jaimão, na Cruz Vermelha<br />

Internacional, tentado descobrir o paradeiro do filho. Muito choro e nervosismo. A junta<br />

malvada <strong>que</strong> governava o país mostrava-se implacável. Assassinos. Desde as primeiras<br />

horas do golpe, apareciam na televisão exigindo <strong>que</strong> os estrangeiros se apresentassem<br />

nas delegacias, como se criminosos fôssemos. Exortava a população a denunciar qual<strong>que</strong>r<br />

estrangeiro vizinho ou conhecido. Toda hora a<strong>que</strong>les três impiedosos agentes do mal<br />

surgiam na televisão, com o dedo em riste, assustando, gritando... Terrorismo de Estado.<br />

O refúgio já estava cheio. Afastado de Santiago, o convento ficava em uma imensa<br />

propriedade rural. Seria uma quinta, uma fazenda... Havia três principais prédios: a casa<br />

grande, a pajarera e, lá no fundo, mais afastado, um prédio baixo, apelidado, por nós, de<br />

“Vietnam”. A pajarera, onde ficavam famílias com filhos, era construída de madeira e se<br />

localizava atrás da casa grande. No “Vietnam”, ficavam as celas dos religiosos, um prédio<br />

em formato de L, com muitos quartos e dois banheiros coletivos enormes. A memória, às<br />

vezes, me falha. Guardo menos certezas do <strong>que</strong> dúvidas a respeito de certos detalhes dos<br />

prédios.<br />

Estabeleci-me no “Vietnam”, com a Lilliam em um dos quartos, situado mais ou menos<br />

no meio da perna grande do L. O recinto era de tamanho médio. Preferi dormir no chão<br />

e a minha cama, meu colchão, ficava logo à es<strong>que</strong>rda de <strong>que</strong>m entrasse. A cama da<br />

Lilliam ficava no fundo, perto da janela. Havia uma pe<strong>que</strong>na mesa encostada na parede<br />

e uma cadeira ou duas, em frente à minha cama. Tínhamos conforto suficiente, para<br />

<strong>que</strong>m fugia da sanha dos milicos chilenos.<br />

O pavor reinava. Embora se falasse <strong>que</strong> tínhamos a proteção da ONU, do ACNUR (Alto<br />

Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), da Cruz Vermelha Internacional e do<br />

CMI (Conselho Mundial de Igrejas), a qual<strong>que</strong>r momento, eu achava <strong>que</strong> polícia podia<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - CHile 591

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