06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

acolhidos, os quatro, no Refúgio de Padre Hurtado. Além do medo de reviver os dias de<br />

terror da perseguição <strong>que</strong> havíamos sofrido no Brasil e <strong>que</strong> parecia se repetir em dose<br />

avassaladoramente maior agora no Chile, tínhamos, também, agravando enormemente<br />

o nosso drama, a cruel incerteza sobre quando iríamos poder rever novamente nossa<br />

filha. E agora? Como faríamos para tê-la novamente conosco? Eu pensava em abraçá-la,<br />

beijá-la, colocá-la para dormir, zelar por seu soninho inocente, como fazia antes, quando<br />

estava escondida ainda no Brasil, mas com ela pertinho de mim.<br />

Padre Hurtado – o reFúGio da esPerança.<br />

O refúgio era um mosteiro de jesuítas, um local afastado da capital, Santiago. Lá, vivíamos<br />

na expectativa de sermos acolhidos por outros países, passando boa parte do nosso<br />

tempo em filas para entrevistas. Tudo era organizado e nos dividíamos em equipes para<br />

dar um bom funcionamento ao mosteiro transformado. Éramos muitos, cada um com<br />

seus dramas e dificuldades. O cotidiano era pesado e, ao mesmo tempo, muito solidário.<br />

Organizávamos atividades recreativas para crianças, para nós mesmos, procurando,<br />

enfim, manter a nossa saúde mental e física, para sobreviver.<br />

Lembro <strong>que</strong> quase toda tarde tinha jogo de futebol e era a<strong>que</strong>la alegria e torcida pelos<br />

times em disputa. Nesses momentos, transformávamo-nos em crianças e até es<strong>que</strong>cíamos<br />

um pouco o lugar onde estávamos.<br />

Na<strong>que</strong>le convento, apesar da proteção das Nações Unidas e da Cruz Vermelha<br />

Internacional, vivíamos sempre ameaçados de invasão pela guarda do exército chileno,<br />

sob a esfarrapada desculpa de <strong>que</strong> tinham recebido informações da existência de chilenos<br />

no refúgio. Segundo o acordo feito entre as partes envolvidas, o asilo só podia ser<br />

oferecido a pessoas de outras nacionalidades, isto é, a exilados políticos. Entretanto,<br />

dramaticamente, lá vivemos momentos muito ricos, construindo amizades definitivas,<br />

mesmo com a<strong>que</strong>les dos quais iríamos brevemente nos separar para sempre. Exemplo<br />

disso foi o reencontro recente <strong>que</strong> tive com a companheira Eli, quase quarenta anos<br />

depois. Na época do refúgio, costumava ficar na grama e Eli sempre se aproximava para<br />

conversar. Redescobri-la no Grupo Os Amigos de <strong>68</strong>, tanto tempo depois, foi uma das<br />

fortes emoções, entre tantas <strong>que</strong> tive na vida.<br />

Em meio às tensões, aos sofrimentos, às demonstrações de solidariedade e ao clima de<br />

medo <strong>que</strong> naturalmente permeava nossas ações, aconteceu um fato <strong>que</strong> mudou nossas<br />

vidas e renovou nossas esperanças. Um cidadão suíço, da Cruz Vermelha Internacional,<br />

de cujo nome não me recordo, talvez Monsieur Lehnan, mas <strong>que</strong> vou chamar de cidadão<br />

588

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!