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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Até então, eu mantinha meus documentos verdadeiros escondidos sob o forro acetinado<br />

do estojo de asma. Na primeira oportunidade <strong>que</strong> tive, tirei a minha carteira de identidade<br />

verdadeira junto com a minha carteira de imprensa e enfiei-as, com a mão, bem no<br />

fundo de uma privada cheia de fezes até a borda. Para sair do Brasil, como estava sendo<br />

perseguido, usei documentos falsos. Entrei, portanto, no Chile, com outro nome.<br />

Na madrugada do dia seguinte, já éramos quatrocentos, comprimidos na<strong>que</strong>la local onde<br />

caberiam pouco menos de trinta pessoas, em situações normais. A cada instante chegava<br />

mais gente <strong>que</strong> era distribuída por outras “jaulas” semelhantes. Os trabalhadores trazidos<br />

eram sujeitados ao mesmo tratamento: enfileirados ao longo dos corredores, virados<br />

para as paredes e a uma distância de um metro e meio delas, recebiam ordem de estender<br />

os braços e apoiar as mãos na parede, tudo embaixo de coronhadas de fuzil. A posição<br />

assumida era obviamente desconfortável. Os oficiais interrogavam, depois, com<br />

agressividade:<br />

- Onde estão as armas?<br />

- Qual organização terrorista? - referiam-se à organização a <strong>que</strong> o preso pertenceria.<br />

A cada resposta negativa seguiam-se ou chutes violentos nos testículos (vulneráveis<br />

na<strong>que</strong>la posição), <strong>que</strong> faziam com <strong>que</strong> a vítima caísse no chão contorcendo-se de dor, ou<br />

golpes com os canos dos fuzis <strong>que</strong> rasgavam feridas profundas cujo sangue escorria pelo<br />

corpo e pingava formando poças no piso.<br />

velÓdroMo – CaMPo de MartÍrio<br />

Os interrogatórios do SIM realizavam-se em um velódromo situado a menos de duzentos<br />

metros do Estádio Nacional. A cada dia, de manhã, víamos longas filas dirigindo-se para<br />

esse novo campo de martírio. Muitos trabalhadores traziam sacos nas cabeças ou vendas<br />

nos olhos. Durante o dia, no transcorrer dos interrogatórios, as torturas tornavam-se<br />

cada vez mais elaboradas. Ouvíamos repetidos tiros e deduzíamos <strong>que</strong> a população das<br />

fábricas e das famílias chilenas estava sendo drasticamente dizimada.<br />

No meio da tarde, quando vimos a mesma fila voltando para suas celas, descobrimos,<br />

tomados de tristeza, <strong>que</strong> parte dos grupos retornavam reduzidos a menos da metade.<br />

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