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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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O Capucho, durante o curso, mostrara a habilidade de seus dedos com as armas. Nas<br />

aulas de armamento, destacava-se montando e desmontando as diferentes armas. Nunca<br />

soube se em seu país ele havia servido ao exército. Sua habilidade nesse ramo era visível,<br />

notável. No campo, demonstrou sua origem camponesa. Era fulminante com o machado,<br />

a escavadeira, a pá e a enxada. Para isso, não esperava ser convocado. Assumia<br />

naturalmente e mostrava-se à vontade na lama líquida ou na folhagem. Não demonstrava<br />

a aversão ao bos<strong>que</strong> <strong>que</strong> nós outros – os ratos urbanos – possuíamos.<br />

Em seus olhos brilhava uma febre negra, extraordinária. Talvez estivesse consciente disso.<br />

Talvez buscasse ocultar de outros seus sentimentos mais profundos.<br />

Olhando-se para pessoas como Ricardo, vem-nos à mente a hipótese se elas têm de fato<br />

o entendimento profundo <strong>que</strong> parecem ter. Na<strong>que</strong>la época, eu cria <strong>que</strong> sim. Hoje, estou<br />

convencido <strong>que</strong> não. Certas pessoas nascem fascinadas ou têm o dom de despertar o<br />

fascínio. Nada, porém, justificará sobre elas a decisão alheia de considerá-las superiores<br />

a outras. No fim da vida, um observador minucioso deve reconhecer <strong>que</strong> errou<br />

fre<strong>que</strong>ntemente em suas avaliações e <strong>que</strong> de tudo só restaram as impressões de um<br />

pesadelo. De <strong>que</strong> morte morreu Ricardo? Estará ainda por aí, aparentemente, vivo? Em<br />

<strong>que</strong> ponto de sua vida foi possível derrotar a<strong>que</strong>la fé, a<strong>que</strong>le fogo, <strong>que</strong> parecia<br />

extraordinário? Ou ele ainda prossegue? Nesse caso, onde <strong>que</strong>imará?<br />

A<strong>que</strong>le militante <strong>que</strong> não fumava e <strong>que</strong> aparentemente lutara tão bem por sua vida<br />

deveria estar fadado a novos atos extraordinários. No entanto, uma estrutura má, <strong>que</strong><br />

tem a mesma formação na Bolívia ou na América Latina, logrou tragá-lo em algum<br />

ponto, mastigá-lo, fazer dele nada mais <strong>que</strong> um chiclete, com corpo sem nome estendido<br />

em um barranco qual<strong>que</strong>r; talvez um funcionário público de gravata e terno branco; de<br />

qual<strong>que</strong>r forma, um desfecho ruim... Talvez não se tenha chegado a realizar nele o herói<br />

<strong>que</strong> se havia desenhado. Em algum lugar, pode ter um processo ruim, ou a própria<br />

estrutura perversa encarregada de erguê-lo, haver-se desviado de seu curso provável e<br />

tê-lo tragado no anonimato, para sempre. Ou sim, perfeitamente foi o <strong>que</strong> deveria ser.<br />

Mas a obscuridade em <strong>que</strong> se passa a luta política dos oprimidos não lhe permitiu<br />

sobressair. Pode haver morrido herói, mas como tantos heróis anônimos do povo,<br />

es<strong>que</strong>cido, deliberadamente, entre as pilhas sul-americanas de crimes de direito comum.<br />

Um minuto só, uma percepção do inimigo <strong>que</strong> não deveria haver existido, uma fração em<br />

<strong>que</strong> se deixou trair por uma ação a mais, talvez demasiado humanista, talvez<br />

desnecessária... E aí pode havê-lo tomado ou perdido para sempre.<br />

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