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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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- Não tenho a menor consideração por tais inimigos. O <strong>que</strong> eles têm feito conosco?<br />

Acaso têm mostrado alguma complacência, alguma piedade?<br />

Outro, ali, retruca:<br />

- Também não tenho, creia-me. Mas isto é uma <strong>que</strong>stão política. É uma <strong>que</strong>stão<br />

puramente política. Não se pode dar à reação o <strong>que</strong> ela merece. O controle ideológico<br />

<strong>que</strong> ela exerce sobre parte considerável do povo, obriga-nos a elaborar caminhos<br />

políticos, soluções políticas...<br />

Guafo, uruguaio, fala sempre pausadamente, baixo, quase devagar. Sua cabeça utiliza, a<br />

cada instante, a mesma via, sempre o mesmo procedimento lógico, pelo qual ele obtém<br />

a clareza de seus argumentos. Julga-os de grande regularidade. Não é à toa <strong>que</strong> é um dos<br />

líderes entre os uruguaios. Não adota brincadeiras pesadas ou frases disparatadas, tão a<br />

gosto de outras nacionalidades. Cala-se por longos tempos, até por horas inteiras. Seus<br />

argumentos são cozidos no estômago, são ruminados e, apenas, deles a quinta essência<br />

pode lograr alcançar o cérebro. Daí <strong>que</strong> saia qual folha de papel, limpo, seu mácula, como<br />

se fosse produzido por uma máquina. Desse me disse Fincha, uma das brasileiras:<br />

- Que necessidade tem ele de estar sempre perfeitamente controlado... Não gosto disso...<br />

Para mim era indiferente. Cada qual tem sua maneira de ser. Não me preocupava muito<br />

com reações pessoais. Alguns usavam um linguajar ignóbil, coalhado de palavrões. Para<br />

mim, era apenas uma maneira de se mostrarem duros. Outros se esmeravam nos processos<br />

reflexivos, buscavam amadurecer, nada diziam <strong>que</strong> expressasse suas almas pobres,<br />

infantis e puras. Não dava a mínima. Para mim, então, era tudo igual. Sabia, apenas, <strong>que</strong><br />

dali podia resultar o imprevisível. No golpe futuro – <strong>que</strong> haveria de ocorrer contra Allende<br />

– estariam todos eles de volta à multidão, à massa, a condição de dela ser parte, os<br />

protegeria. Não eram e não mais poderiam ser criaturas fáceis. Os <strong>que</strong> haviam sido presos,<br />

torturados e humilhados eram, agora, como um pedaço de couro atirado sob o sol<br />

escaldante. Cada dia os tornaria mais duros, mais ressecados. Ouvia suas exclamações<br />

irritadas, o debate <strong>que</strong> caminhava sem fim e até sem um motivo <strong>que</strong> tivesse importância.<br />

Muitos, por certo, partiriam do Chile antes do golpe. Ir-se-iam juntar a seus movimentos<br />

originais ou até iriam militar em outros países. Por isso, esta troca, agora, de experiências<br />

era tão vital. Encontrar o seu semelhante. Encontrar algo de si em uma pessoa <strong>que</strong> é de<br />

outro lugar, aparentemente até de outra cultura. Conversar, criticar, aproximar-se,<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - CHile 559

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