06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

político. Seu impulso formador era revolucionário, vindo de exemplos como Che Guevara,<br />

Mao Tse Tung, Puente Uceda, Marighella e outros. No entanto, esse vínculo de escolha e<br />

de sangue com a prática revolucionária dos povos era desorientado pelo discurso<br />

reformista, vindo de antigas estâncias revolucionárias, como a URSS, e dos partidos<br />

tradicionais da es<strong>que</strong>rda latino-americana, para <strong>que</strong>m esperar era o melhor remédio.<br />

Infelizmente a es<strong>que</strong>rda armada não poderia dedicar-se a esperar, devido à elevada<br />

“rotatividade de quadros” <strong>que</strong> a forma de luta <strong>que</strong> escolhera provocara. No Brasil, por<br />

exemplo: essas organizações eram devoradas a uma taxa de 28% ao ano, ou seja, perdia<br />

mais de um militante em cada quatro. No entanto, à<strong>que</strong>la altura, para o bem ou para o<br />

mal, as coisas já estavam irremissivelmente organizadas e o <strong>que</strong> havia era apenas cumprir<br />

a missão <strong>que</strong> cabia a cada qual ou cair fora. Não havia mais a possibilidade de fazer<br />

correções. Os efetivos das organizações eram pe<strong>que</strong>nos e as posições estavam cristalizadas.<br />

De “militarismo”, a única coisa <strong>que</strong> a<strong>que</strong>las organizações possuíam era a tradição<br />

reformista para <strong>que</strong> não se discutissem as ordens recebidas.<br />

Ou seja, o autoritarismo bem conhecido. Isso, no entanto, deve ser moderado pela<br />

juventude <strong>que</strong> caracterizava a es<strong>que</strong>rda armada. Nela, até mesmo o autoritarismo ainda<br />

sabia misturar a tragédia com a percepção do ridículo, com um nível bastante baixo de<br />

burocratismo. A juventude fazia a maioria de seus militantes inquietos, curiosos, sempre<br />

à busca de algo mais, sempre a manifestar dúvidas. Estas qualidades eram todas muito<br />

favoráveis e tinham potencial para superar os vícios obtidos na educação partidária<br />

anterior. Contudo, a imensa rotatividade de seus contingentes impedia a formação de<br />

quadros e não contribuía para permitir a especialização de tarefas sem a qual uma<br />

organização clandestina séria não pode prosperar.<br />

Vicente, o uruguaio instrutor do curso, era especialista em meios explosivos. Era um<br />

operário de origem, branco, pe<strong>que</strong>no, cabelos castanhos, olhar inexpressivo. Sua<br />

verdadeira natureza podia ser apenas indicada pela boca pe<strong>que</strong>na e simples, um sucinto<br />

traço na base do rosto. Sua ausência de lábios bem talvez indicasse uma ausência de<br />

sentimentos.<br />

No entanto, era terno, certamente de família italiana. Como os italianos, estudava antes<br />

a pessoa, para depois dedicar-lhe afeto ou não. Sua atitude, em geral, contudo, era de<br />

correção absoluta. Lá de fora, observava a todos. Jamais perdia seu ar de inexistência.<br />

Falava sempre com o mesmo tom, com a monotonia de um rádio à distância e baixo.<br />

Suas instruções eram perfeitas, com o idioma impecável, como se as estivesse lendo em<br />

548

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!