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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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A ocasião se apresentou quando da tentativa fracassada de golpe, em julho de 1973.<br />

Allende convocou a população ao combate quando o palácio de governo foi atacado de<br />

manhãzinha por uma unidade de tan<strong>que</strong>s sublevada: “vengan a la Moneda con lo <strong>que</strong><br />

tengan”, conclamou o presidente. E dezenas de milhares agarraram pistolas, fuzis de<br />

caça, facas de cozinha, porretes e estilingues e cercaram as tropas, mas não houve<br />

combate. Quando viram <strong>que</strong> não estavam sendo seguidos por outras unidades, os oficiais<br />

abandonaram os soldados e se refugiaram em embaixadas estrangeiras. Allende mandou<br />

o povo recuar e deixar <strong>que</strong> os soldados controlassem os soldados. A massa popular tomou<br />

as fábricas e outros locais de trabalho para garantir <strong>que</strong> o controle de produção<br />

permanecesse nas mãos do governo e do povo, mas eram os quartéis <strong>que</strong> deveriam ter<br />

sido tomados na<strong>que</strong>le momento, para desarmar a oficialidade de direita, <strong>que</strong> pôde,<br />

então, preparar-se melhor para atacar de novo.<br />

Nesse momento de apogeu, em julho, o processo político se esvaziou com a demonstração<br />

de impotência do governo para impedir o verdadeiro expurgo <strong>que</strong> a direita operou entre<br />

os oficiais, suboficiais e soldados conhecidos como de es<strong>que</strong>rda. Quando atacaram, em<br />

setembro, os direitistas já tinham as Forças Armadas sob domínio ou quase, e raros foram<br />

os lugares onde houve necessidade de combater a es<strong>que</strong>rda militar. O golpe de Pinochet<br />

colocou rapidamente o conjunto dos soldados contra a população. Não houve reação<br />

maciça, pois as consignas dos partidos políticos do governo não se ajustavam à<strong>que</strong>la<br />

situação e apenas os militares de es<strong>que</strong>rda mais aguerridos enfrentaram os de direita, nos<br />

dez primeiros dias de combates desiguais. Demonstraram extrema coragem e<br />

determinação, mas foram massacrados sem dó nem piedade. Foram dias e noites sinistros<br />

de tiroteios e fuzilamentos em <strong>que</strong> bus<strong>que</strong>i aproveitar o meu passaporte suíço (tenho<br />

dupla nacionalidade) para ajudar os companheiros brasileiros a se asilarem nas embaixadas<br />

(Suécia, México, Argentina, Panamá etc.). Consegui montar uma organização de apoio à<br />

fuga contando com a ajuda de funcionários estrangeiros da ONU e até de embaixadas.<br />

Gabeira, no seu livro O <strong>que</strong> é isso, companheiro?, disse <strong>que</strong> havíamos retirado mais de<br />

mil refugiados brasileiros do Chile, mas é um típico exagero da es<strong>que</strong>rda: não havia mil<br />

brasileiros no Chile e, se chegamos a colocar trezentos nas embaixadas, abrigos das<br />

Nações Unidas ou (caso mais raro) na fronteira com a Argentina, foi muito.<br />

Assisti e lutei como pude contra o massacre do penúltimo espaço de liberdade na América<br />

Latina dos anos 70, com uma sensação de dor, mas também de fúria. Não <strong>que</strong>ria partir e<br />

não me conformava com a derrota <strong>que</strong>, contraditoriamente, achei inevitável quando<br />

aconteceu. Acabei indo para Argentina, onde, meses depois, fechou-se a armadilha sobre<br />

os refugiados, obrigando-nos todos a buscar asilo em outro continente. Lembrei-me das<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - CHile 539

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