06.05.2013 Views

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sentirmo-nos livres e, mais do <strong>que</strong> isso, numa terra onde o povo havia conquistado, se<br />

não o poder, o governo.<br />

O carinho <strong>que</strong> o governo e o povo chileno dedicavam aos brasileiros era sem limites,<br />

na<strong>que</strong>les primeiros momentos. Mesmo a direita evitava hostilizar-nos, pois a tradição<br />

democrática e de solidariedade para com os perseguidos está inscrita no hino nacional<br />

do Chile, <strong>que</strong> termina com as seguintes palavras: ... La tumba será de los libres o asilo<br />

contra la opresión. Mais tarde, seríamos alvo de inúmeras provocações da fascistada<br />

chilena e mais perseguidos do <strong>que</strong> ratos, após o golpe militar de 1973, mas no começo<br />

tudo era lindo.<br />

“Brasileños?” Era o mote inevitável dos nossos diálogos com engraxates, garçons,<br />

taxistas, varredores de rua, jornaleiros, transeuntes <strong>que</strong> nos ouviam falar etc. Los setenta<br />

éramos nós, os banidos pela ditadura no voo da liberdade de 15 de janeiro de 1971.<br />

Muitos outros exilados pegaram carona na nossa popularidade para andar de graça nos<br />

transportes públicos, não pagar almoços e bebidas e ser olhado com admiração pelas<br />

lolitas, equivalente ao nosso antigo brotinho ou atual “gatinha”.<br />

Logo percebemos <strong>que</strong> o povo chileno era, além de solidário e simpático, altamente<br />

politizado. Independentemente da filiação política ou estrato social, todo mundo discutia<br />

política com muito conhecimento de causa e ampla capacidade de argumentar.<br />

Perguntavam-nos muito sobre a ditadura no Brasil e como tinha sido o golpe militar –<br />

parecia haver uma preocupação latente com a eventualidade de <strong>que</strong> algo semelhante<br />

acontecesse. Mas, se indagados, todos diziam: En Chile, no pasa nada. Nós, gatos bem<br />

escaldados, acreditávamos <strong>que</strong> o golpe era inevitável e a <strong>que</strong>stão era somente se a<br />

es<strong>que</strong>rda e o governo teriam forças para derrotá-lo. Toda a história da<strong>que</strong>les três anos de<br />

governo Allende não foi outra coisa senão um longo processo de preparação para a<br />

grande traição do 11 de setembro de 1973.<br />

Sou dos <strong>que</strong> acham <strong>que</strong> a derrota não era uma fatalidade e confiava na imensa capacidade<br />

de mobilização do povo chileno para barrar a direita militar. Nunca o preceito leninista<br />

de <strong>que</strong> sem liderança revolucionária não se faz revolução foi tão evidente. Allende, <strong>que</strong><br />

eu conheci pessoalmente e <strong>que</strong> era um homem extraordinário, tinha um compromisso<br />

absoluto com a legalidade e morreu defendendo-a, mas era necessário, exatamente,<br />

antecipar a iniciativa da direita.<br />

538

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!