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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Nessa época envelheci muitos anos. O Zé Maria estava na lista dos perseguidos e, como<br />

não conseguiram pegá-lo, prenderam meu segundo filho, o Didi, <strong>que</strong> estava com vinte<br />

anos e estudava Belas Artes. Eu acordava de madrugada, ouvia rajadas de metralhadoras<br />

e pensava <strong>que</strong> meu filho poderia estar sendo fuzilado. Um dia recebi um bilhete dele com<br />

um autoretrato <strong>que</strong> ele desenhou e até hoje me faz chorar: “Mãe, te mando esta<br />

caricatura minha para <strong>que</strong> você possa ficar perto de mim, mas não chore, por<strong>que</strong> você é<br />

a mãe mais valente <strong>que</strong> vi em minha vida”.<br />

Eu falo nisso e me emociono. Meu filho mais velho, o Dudu, era integrante do Partido<br />

Socialista e ficou com o Zé Maria na embaixada do Panamá, <strong>que</strong> recebeu mais de 200<br />

pessoas. Fi<strong>que</strong>i sozinha com as cinco crianças <strong>que</strong> restaram e sentia muito medo. Uma de<br />

minhas irmãs mandou passagens para a gente voltar para o Brasil, mas nosso visto estava<br />

vencido. Eu ficava com as crianças na embaixada do Brasil à espera do visto. Era o único<br />

lugar em <strong>que</strong> me sentia um pouco segura. Pensava <strong>que</strong> teria ajuda ali, mas eles só me<br />

enrolavam.<br />

Fi<strong>que</strong>i seis dias nessa agonia e, desesperada, disse ao embaixador: “Eu fico no Chile e peço<br />

<strong>que</strong> o senhor deixe meus filhos voltarem”. Não adiantou. Saí da minha casa com a roupa<br />

do corpo e fui com as crianças para um refúgio das Nações Unidas. Foi o pior momento.<br />

A gente tinha comida e agasalhos, mas as noites eram terríveis. Eu não conseguia dormir,<br />

minha cabeça não parava de pensar: “O <strong>que</strong> será de nós?”<br />

Zé Maria e Dudu conseguiram o salvo-conduto. Didi saiu da prisão depois de quase três<br />

meses de violência. Não tinha o dente da frente, passou por pancadarias, ameaças de<br />

morte. Chegou a ser levado para o paredão de fuzilamento, ordenaram a um pelotão<br />

para tomar a posição de tiro. Gritaram: “Apuntar! Fuego!” Era uma simulação para<br />

abalá-lo psicologicamente. E ele tinha só vinte anos.<br />

No dia 26 de janeiro de 1974, o pesadelo terminou. O Chile <strong>que</strong> eu tanto amei e amo<br />

tinha se tornado um inferno. Depois de oito anos na<strong>que</strong>le país, fomos com outros exilados<br />

para Paris. Da janela do avião, achei Paris linda e um desafio para a minha força, <strong>que</strong><br />

andava exaurida. Fomos para um abrigo no sul da cidade, num lugar chamado Choisyle-Roi.<br />

Pouco tempo depois nos transferiram para Clichy, um reduto eleitoral dos<br />

partidos de es<strong>que</strong>rda, onde moravam imigrantes portugueses e africanos.<br />

Eu e Zé Maria tínhamos muito a fazer. Era preciso procurar trabalho e colocar as crianças<br />

na escola. As meninas já eram adolescentes, com dezessete e quinze anos e Ricardo, o<br />

<strong>68</strong> a geraçao <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria mudar o mundo: <strong>relatos</strong> relaToS - exÍlio 525

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