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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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eencontro com o Zé Maria foi emocionante. Ele trabalhava numa instituição internacional<br />

voltada para <strong>que</strong>stões sociais e recebia um salário <strong>que</strong> dava para manter a família. Alugou<br />

uma casa branca com jardim e quintal. Ali estavam plantados pés de avelãs, pêras,<br />

damascos, maçãs e tinha um riacho com águas <strong>que</strong> desciam da Cordilheira dos Andes. É<br />

impossível es<strong>que</strong>cer a emoção <strong>que</strong> senti ao entrar na nossa casa. Zé Maria espalhou flores<br />

em todos os cômodos e num quarto grande colocou as sete camas dos filhos. Sob o meu<br />

travesseiro encontrei um poema <strong>que</strong> ele fez: Nada nos separará/Nem o céu, nem a<br />

terra/Ou a fúria dos vendavais/... Nem as armadilhas do caminho/Ou o ódio dos<br />

generais.<br />

Foi um tempo feliz. Os meninos brincavam na rua, eu tinha mais tempo para eles e<br />

adorava passar horas olhando as mudanças de cor da cordilheira, <strong>que</strong> ia do branco ao<br />

rosa. Ali, tivemos um Natal ines<strong>que</strong>cível quando meu filho Pedro, o Didi, encontrou um<br />

tesouro escondido no sótão da casa. Eram caixas de brin<strong>que</strong>dos fantásticos, usados e<br />

cobertos de pó. Lá do alto, com uma corda nas mãos, ele descia os brin<strong>que</strong>dos para os<br />

irmãos, <strong>que</strong> olhavam maravilhados. Depois disso passamos a acreditar <strong>que</strong> Papai Noel<br />

existe.<br />

No Chile tivemos também nosso batismo de fogo com os terremotos. Foi numa noite em<br />

<strong>que</strong> o Zé Maria e eu voltávamos de uma reunião de exilados em uma das casas do poeta<br />

Pablo Neruda, ouvi um barulho ensurdecedor, <strong>que</strong> vinha do fundo da terra. Zé Maria<br />

estacionou o carro para não perder o controle da direção, as luzes se apagaram, eu ouvia<br />

gritos. Dezenas de pessoas morreram, milhares ficaram feridas. Felizmente nada<br />

aconteceu com meus meninos e com minha mãe, <strong>que</strong> estava passando uma temporada<br />

em Santiago.<br />

O Brasil foi ficando distante. Durante a ditadura, amigos e parentes tinham medo de<br />

manter contato com exilados. Isso fez com <strong>que</strong> a gente se apegasse muito ao Chile. Zé<br />

Maria organizou uma rede de livrarias especializada em ciências sociais. Eu trabalhava na<br />

parte administrativa. Acompanhamos a campanha do presidente Salvador Allende, eleito<br />

em 1970. Vimos também como foi armada a conspiração contra o governo. A direita<br />

sumia com remédios e alimentos para provocar uma crise de abastecimento. Em três<br />

anos, Allende foi deposto pelo general Augusto Pinochet. Foi uma das coisas mais<br />

violentas <strong>que</strong> vivi. Caminhões passavam levando corpos mutilados. Só havia o medo e o<br />

horror das perseguições.<br />

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