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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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Venho de uma família de militares, tive uma educação quase reacionária. Nasci e fui<br />

criada no Rio de Janeiro. Tenho duas irmãs, a gente fre<strong>que</strong>ntava as festas do Clube<br />

Militar. Um dia minha mãe leu no jornal a notícia sobre um curso de preparação para o<br />

concurso dos Correios, <strong>que</strong> eu ia fazer. O curso funcionava na sede do antigo Partido<br />

Socialista Brasileiro, o professor de geografia era bonito e falante. Depois de uma aula<br />

entrei no elevador ao lado dele e limpei o pó de giz no seu ombro. Dias depois começamos<br />

a namorar. A notícia correu: “Thereza está namorando um comunista”. Meu namorado,<br />

José Maria Rabêlo, era membro do Partido Socialista. Mas, com jeitinho, convencemos a<br />

família de <strong>que</strong> isso não seria um problema.<br />

Namoramos quase dois anos e nos casamos em março de 1952. A igreja ficou dividida:<br />

de um lado, os militares com fardas de gala; do outro, os amigos do Zé Maria. Mas na<br />

festa, na casa dos meus pais, teve até clima de confraternização. Uma de minhas amigas<br />

saiu dizendo: “Esses comunistas amigos da Thereza são até simpáticos”.<br />

Já tínhamos dois filhos, Álvaro e Pedro, quando deixamos o Rio para morar em Belo<br />

Horizonte. Zé Maria é mineiro, tinha trabalhado em alguns jornais de lá. Brinco <strong>que</strong> a<br />

cidade foi meu primeiro exílio. Estranhei o conservadorismo, o jeito fechado das pessoas,<br />

tão diferente do Rio. Um dia olhei as montanhas e senti um aperto no coração. Tive essa<br />

sensação outras vezes no exílio, parecia uma premonição. Era o início de uma vida intensa<br />

ao lado do Zé Maria. Ele dirigia o jornal Binômio, considerado um dos precursores da<br />

imprensa alternativa no Brasil. Com humor e coragem o jornal agitava Belo Horizonte<br />

com reportagens <strong>que</strong> enfrentavam os poderosos.<br />

Nesses anos em Belo Horizonte, tivemos mais cinco filhos: Mônica, Patrícia, Hélio,<br />

Fernando e Ricardo. Eu e Zé Maria adoramos crianças. Não era um plano ter tantas, mas<br />

elas foram bem-vindas. Eu trabalhava na tesouraria dos Correios, cuidava da meninada e<br />

vivia a tensão <strong>que</strong> cercava o Binômio. Às vésperas do golpe de 64, o jornal vivia recebendo<br />

ameaças. Em meados de fevereiro, um mês antes do golpe, ouvi pelo rádio a notícia de<br />

uma manifestação nas ruas. O locutor anunciou a presença de vários líderes da es<strong>que</strong>rda,<br />

entre eles o diretor do Binômio, José Maria Rabêlo. Em seguida ouvi uma explosão, a<br />

transmissão foi interrompida. Cerca de 200 ficaram feridos. Meu marido não sofreu nada,<br />

mas fi<strong>que</strong>i desesperada. Eu me imaginava sozinha com os meninos. Na época, o mais<br />

velho tinha 10 anos e o caçula engatinhava.<br />

A sede do Binômio foi depredada, Zé Maria teve de se esconder. Peguei meus filhos e fui<br />

para o Rio num carro dirigido por um motorista do jornal. Sem notícias do meu marido,<br />

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