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68 a Geração que Queria Mudar o Mundo: relatos - DHnet

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516<br />

VII<br />

Chegar à Índia e ao Nepal era minha meta, como de todos os hippies <strong>que</strong> perambulavam<br />

pela Europa na<strong>que</strong>la época. Estava na Holanda há algum tempo e viajava de trem ou<br />

carona entre Amsterdã, Paris e Bruxelas, com amigos <strong>que</strong> encontrava. Nunca era<br />

requisitado passaporte para viajar entre essas cidades. Certa vez, no trem, uma amiga me<br />

contou <strong>que</strong> os livrinhos tinham sido modernizados e <strong>que</strong> todos os brasileiros deveriam<br />

dirigir-se aos consulados para trocar o documento por um novo, plastificado. Como eu<br />

ia para a Índia, procurei o meu e, na<strong>que</strong>le momento, ao tentar verificar se já era<br />

plastificado, percebi <strong>que</strong> o verdinho estava vencido há quase um ano. Que chato! Que<br />

perda de tempo! Tinha <strong>que</strong> ir ao consulado mais próximo para não atrasar a viagem. O<br />

pessoal estava esperando e eu tinha pressa. Fantasiada de hippie, tomei o trem para<br />

Roterdã, com essa historinha ensaiada...<br />

Quando saí, de manhã cedo com a Ruth, estava arrasada, quase desistindo. Exaurida. Ela<br />

tomou o rumo do trabalho dela e eu fui para a Estação Central. Triste, chorei muito<br />

na<strong>que</strong>la manhã, sentindo-me absolutamente desamparada.<br />

A<strong>que</strong>les trens não eram confortáveis. Verão <strong>que</strong>nte. À direita, ao longo do vagão, um<br />

corredor comprido, com portas <strong>que</strong> abriam para as “cabines”, com bancos para oito<br />

pessoas – quatro de frente para quatro. Quatro olhando a cara dos outros quatro.<br />

Incômodo, mas a viagem era curta. Verão <strong>que</strong>nte, começo a cochilar. Cochilo, com<br />

cuidado para não deitar minha cabeça no ombro do vizinho, também meio adormecido.<br />

Cochilo... Cochilo... “Uuuuuuu!” Acordo todos no vagão com um da<strong>que</strong>les meus habituais<br />

gritos lancinantes, frutos de pesadelos persecutórios. Constrangimento geral. Fixam em<br />

mim olhos arregalados. Silêncio. Recomponho-me. Calor. Cochilo. Cochilo outra vez.<br />

Não! Desta vez, acordei rindo! Era um sonho engraçado. Todos não tiravam o olho de<br />

cima de mim. Encolho-me. Estávamos quase chegando.<br />

Alea jacta est. Consulado vazio, sem movimento na<strong>que</strong>la manhã. Depois de algumas<br />

palavras, o cônsul veio atender-me. Com trejeitos e descaso, boca cheia de gírias, achando<br />

graça em tudo, feliz da vida, salpi<strong>que</strong>i a<strong>que</strong>la história da Índia, passaporte plastificado,<br />

pena <strong>que</strong> estava vencido... “Eu viajava. Que viagem! Um barato, mermão! Que lindo! Eu<br />

adorava Amsterdã! Que viagem! Legal! Um barato, bicho! Genial, entendeu?”<br />

“Deixa eu ver o passaporte”, ele pediu. Válido até 25 de julho de 1975, ele apontou<br />

quando começou a folhear logo nas primeiras páginas. “Falta um mês para vencer”,<br />

falou. “Não! Está vencido”, eu retru<strong>que</strong>i. “Falta um mês”, repetiu didaticamente. “Já<br />

venceu, ô cara!”, disse eu impaciente. “Eu sou o cônsul”, explicou em voz alta, com raiva.

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